sexta-feira, 8 de julho de 2011

O que importa?


O que importa a crise perante a morte? O que importa seja o que for perante a lotaria do chamamento ou do simples apagamento?
Importa o que tiver importado a vida que se viveu, a vida que se deu, a vida que se aumentou em consciência e que se deixou iluminar até à clarividência do amor.

sábado, 4 de junho de 2011

Mundo antigo, mundo moderno





Uma das diferenças assinaláveis entre o mundo antigo e o mundo moderno é a relação com a abstracção. Os antigos viviam a abstracção como real, os modernos como irreal.
Os antigos eram consequentes porque a abstracção, sendo racional é, simultaneamente, ideal, moral e prática. A interrogação metafísica não era um  travão para a decisão.
Os modernos, ou os precursores da modernidade, desdenharam da abstracção pelas dúvidas que a metafísica lhes levantava e, tomando-se por realistas, procedem com incerteza, hesitação, tristeza e indefinição, 
sem ideal, não se percebendo a razão da sua presunção de pragmatismo ou de realismo.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Tópicos sobre Arquitectura


As Artes e o Tempo
Em qualquer actividade intelectual, como a arte, a investigação filosófica ou a investigação científica, o resultado, que são as obras, consubstancia, simultaneamente, o seu lugar como momento da história e o progresso mental dos seus autores.

As obras são sempre o espelho de um certo tempo, por serem o que esse tempo recebe, difunde e incrusta como presença fisionómica de si mesmo, delas se podendo deduzir uma gnoseologia de valores filosóficos, poéticos e científicos que lhe subjazem. Sabemos que nem tudo o que acontece como pretensão de ser arte é arte, ainda que tudo o que acontece, por acontecer, determine a fisionomia de um tempo que fica muitas vezes plasmado num espaço, seja o invisível espaço público feito de relações e memórias, de actos e de interpretações que a literatura regista, seja o espaço físico que é o palco de todos os acontecimentos e, por isso, também, a sua resistência ao esquecimento e ao seu esvaimento trans-geracional.

A música, a pintura e a escultura, a literatura, quer dizer, a arte, cumprem esse papel de ligar os tempos diferenciados, sob o tecto transcendente da Ideia, de que ela, a arte, se nutre, não se esgotando no tempo diferenciado, como se ele fosse independente e desligado do movimento universal.

Arquitectura e Presença
Na arte em geral, a sua presença no espaço público depende da sua continuada apresentação. Ou seja, a música está presente quando se ouve ou quando se faz ouvir, a pintura e a escultura quando estão a ser vistas, a literatura quando é lida, o teatro quando se é público, ou actor, etc. No caso da arquitectura ela é por sua própria, digamos, natureza, presente. A arquitectura é a própria presença, pois, não se concretiza sem estar construída e sendo construída é conceptualmente e intencionalmente eterna como o mundo (o que não significa que não possa ser demolida, nem que não esteja sujeita à destruição infligida pelo tempo).

A essência da arquitectura é a sua permanência no espaço para além do tempo e quanto mais ela permanecer e mais presente se afirmar, maior é a memória que liga as gerações e anula o tempo. A arquitectura é a vitória da presença contra a passagem ou a sucessão: o primado do lugar sobre o tempo, ou da memória sobre o esquecimento, ou da vida sobre a morte.

Origem da Arquitectura
Este carácter impositivo na arquitectura teve origem na necessidade de dar morada eterna aos antepassados. A origem da arquitectura é a arte tumular em que a casa que se constrói não é para os que estão vivos efemeramente, mas para os que morrendo adquirem o direito da morada eterna. O túmulo surge como a casa da alma imortal, a casa definitiva.

O sedentarismo, posteriormente, conduziu à necessidade de organizar a vida em comunidade. E a forma dessa organização corresponde ao mesmo arquétipo da arquitectura tumular: a casa é o mundo, o arquétipo do paraíso, o lugar da harmonia e do equilíbrio que compatibiliza necessidades e recursos; é, também, o lugar da realização do eu, a relação íntima com o outro que, progressivamente, se alarga do indivíduo para o casal, do casal até à família, da família até à escola e da escola até à praça, em graus relacionais cada vez mais abrangentes do privado para o público.

Da casa para a cidade e da cidade para a casa são percursos de ida e volta a cada momento da vida, da mesma forma que a cada instante vivemos e morremos, quer disso tenhamos consciência ou não.

A Casa
Da intimidade do nascer à intimidade do morrer, a cama é o altar de todas as celebrações no centro do quarto, na intimidade mais velada, discriminada ou mesmo seleccionada. Lembra-nos o quarto, que o homem é em primeiro lugar um indivíduo com um destino próprio para além de toda a vida pública que possa abraçar. O quarto é como um sacrário onde, como por uma porta, entrarmos no mundo e por onde passamos quando dele partimos. Ali é concebido, ali nasce e ali morre. É o lugar de toda a intimidade, da relação pessoal com a vida que nele flui singularmente.

A sala de jantar é, por oposição à sala de estar, o lugar da família: o centro é a mesa que significa partilha e nela se comunga o mesmo alimento. Costas direitas, posição activa, desperta, atenta. Enquanto alimenta o corpo e o restaura, comunga do pão espiritual através do convívio. O convívio íntimo da família. Já a sala de estar, actualmente, pretendida grande e espaçosa por substituição da pequena sala de visitas onde cerimoniosamente se faziam conversas de cortesia, invoca uma espécie de antecâmara da morte: os sofás são grandes e parecem camas, a lareira foi substituída pela televisão, e o estar torna-se uma espécie de isolamento em grupo que leva ao adormecimento, se não mesmo ao alheamento. A lareira é um foco de atenção e as labaredas, pela sua vitalidade abstracta, convocam pensamentos enquanto aquecem. A televisão pelo contrário hipnotiza e esvazia o cérebro porque além de criar falsas imagens que os nossos olhos ilusoriamente recriam por sugestão, não estimula a interacção intelectual pois consiste em descarregar produtos acabados e acríticos, agora chamados conteúdos, que vão sendo armazenados sem critério nem decisão própria. Acima de tudo, esmaga a vida mental: tudo é igual, repetitivo, absorvente, inconsequente, abortivo e obsolescente – um vazio no centro da sala de estar.

A Praça
Da casa para a cidade chegamos à praça, o lugar de encontro que dá origem à consciência da comunidade dos seus valores e identidade, enquanto partilha de interesses e esperanças que unem num mesmo espaço físico, num certo lugar, um conjunto de famílias. Na praça, simbolicamente, decidem-se as regras do convívio entre famílias e entre indivíduos. O que se tem de decidir é: como vão esses indivíduos exercer a sua liberdade de seres individuais num denominador comum que é o interesse de todos na preservação dessa comunidade e dos valores e vantagens que ela aporta, razão porque se organizou.

Na praça pública decide-se o equilíbrio entre o público e o privado no estrito respeito do privado ou da intimidade, que é onde habita a vida. A sociedade é já um reflexo não uma essência. A sociedade, em rigor começa para lá da fronteira da vida familiar onde os laços de sangue fazem da família uma extensão do indivíduo mais do que um acordo de interesses para a vida em comum.

Fisicamente a praça é um espaço de descontinuidade, aberto, livre, e por isso é um emblema da liberdade. O espaço público converte-se e concretiza-se em escolas, teatros, hospitais, tribunais, parlamentos, entre outros, mas sempre como locais de encontro, de discussão, decisão e de representação do interesse comum. Por isso se pode dizer, simplificando, que todos esses edifícios têm a sua origem na praça – o espaço público por definição –, o espaço aparentemente vazio do qual surgem todos os outros.

O Direito e o Mundo
Nesta relação da arquitectura com a vida surge sempre o direito. Arquitectura e direito vivem irmanados por muitas razões mas, a principal é esta: defender a liberdade dos indivíduos através da preservação das formas físicas, mentais e legais da vida individual, familiar e comunitária. Neste sentido, o direito é a política como a arquitectura é a política.

A casa é o mundo, o mundo da intimidade. A cidade é o mundo, o mundo enquanto comunidade. Cada casa e cada cidade são à imagem e semelhança da ideia de mundo, significando mundo, o que se opõe a caos, sendo mundo a forma de organização que exprime a mais alta compreensão da vida e do seu valor. Sendo o mundo à imagem e semelhança do que se conceber como Paraíso.

Percorrendo o mundo, percorremos a história, a nossa memória viva e percebemos que o modo como cada um realizou essa compreensão da vida e do seu valor é a história da arquitectura e do urbanismo. E até percebemos que a mesma arquitectura e o mesmo urbanismo garante uma permanência e uma intemporalidade que acomoda sucessivas gerações e as espanta renovadamente. Um constante regresso ao histórico só demonstra como a arquitectura e o urbanismo realizados numa relação harmoniosa com a alma humana têm um equilíbrio que muitas tentativas de industrialização da habitação não conseguem realizar. E nem se trata de espaço mas apenas da sua organização: conteúdo e distribuição.

Arquitectura enquanto Arte
Enquanto arte, a arquitectura, não é apenas um discurso normativo, apenas técnico, nem apenas formal. É, sobretudo simbólico, na perspectiva que temos vindo a desenvolver. Mas sendo também um discurso normativo, técnico e formal, a arquitectura concretiza-se, como todas as artes, em obras que falam por si, e através de uma gramática que é disciplinar, isto é, uma gramática própria organizando um discurso próprio e discutindo-se dentro dessa gramática e dessa retórica próprias. A autonomia disciplinar da arquitectura deveria pô-la a salvo de outras linguagens cuja comparação diminui a sua natureza. Seja as do primado da construção, patente nas excitações materialistas que procuram a verdade no mecanicismo, seja as do primado da sociologia, essa falsa ciência, patente nas ideologias da massificação do homem pela negação do indivíduo que marcaram o século XX, seja, finalmente, o primado do grafismo, expressão niilista ou uma comunicação de negação da forma.

Enquanto representação da Ideia de Paraíso, a arquitectura é uma exigente procura da superação do caos que é a ausência dessa Ideia. A obra surge, assim, do esforço da consciência de adunação da forma à Ideia. A arquitectura é a firmeza (firmitas), a comodidade (utilitas) e a beleza (venustas), mas só sendo estes três atributos é arquitectura. Estes atributos da arquitectura são os atributos do Paraíso: perdura pela sua solidez e firmeza, tem a forma conveniente ao equilíbrio relacional que é a comodidade e tem uma beleza emocional e inteligente, evidente e espiritual.

Não se trata a teoria da arquitectura de discursos reducionistas sobre a valorização deste ou daquele aspecto da arquitectura ou de que dela se possa dizer. A arquitectura não é a fachada, o percurso, a vista, a cor, a acústica, a referência, a surpresa, a bizarria, o grafismo, a sociologia, a estatística, a fotografia, a personalidade egocêntrica do artista, a legitimação do status quo ou consenso, nem é escultura, nem cinema, nem cenário, nem nada que a fizesse não ser tudo o que é para ser outra coisa qualquer.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

O que podíamos ter sido



Se olharmos o mundo com os olhos de quem o perdeu ou o abandonou; se olharmos o mundo como quem regressa, muito tempo depois, ao lugar onde as suas recordações decantaram a dureza dos factos e evocam, num frenesim inquieto, a beleza de apenas ter sido ali aquilo que se foi; se olharmos o mundo dos nossos lugares, ainda que povoado de estranhos entre as nossas memórias apolíneas e distintas; se olharmos o mundo assim, ou daí, desse olhar, percebemos que só nos tinha sido pedido que fossemos heróis. E que nada teríamos perdido se o tivéssemos sido.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Transcendência e Progresso


Sem pensar a transcendência não há progresso para a humanidade. Qualquer forma de pensar ou agir, ou simples gesticular, nasce sempre na imprevisibilidade do futuro. Se o mínimo acto pudesse ser adivinhado (sem ser por sorte mas por demonstração silogística e portanto necessária) então estaríamos perante o fim do mistério e o fim da transcendência. Acontece que o mundo, embora procure sistematicamente a previsibilidade nunca a consegue confirmar. E se a transcendência fosse uma ilusão, então, a imanência seria a realidade e difícil se tornaria perceber o que separa isto daquilo, ou como é que aqui não é já ali.

Também a história que é a história do homem não se prevê, não se antecipa, nem, por isso, se conhece absolutamente. Conhecê-la absolutamente era ter a possibilidade de a prever e antecipar. O que à posteriori se presume conhecer e saber é tão misterioso como o que não tinha ainda sucedido. Presumir que por ter sucedido é passível de conhecimento absoluto e integral é mais um dos equívocos do nosso tempo marcado pelo materialismo científico. Dito tal.

Mas se não há previsibilidade científica, nem antecipação de factos e se o conhecimento do que acontece permanece misterioso e nalgum grau insondável, então, de que falamos quando falamos da realidade, da experiência e do saber? Cinco pontos prévios.

Primeiro, deveríamos reconhecer a diferença entre pensar e exercer um raciocínio.
Em segundo, reconhecer que pensar é pensar a realidade que está para além do que aparece e o que aparece, se surge como o objectivo e o rectilíneo, o claro e o perceptível, só o é na medida em que sobre ele se pode especular e esse exercício especulativo não se exerce da coisa observada para a capacidade, ou faculdade de pensar, mas porque há essa capacidade ou faculdade de pensar que é por sua propriedade especulativa.
Em terceiro, que se a chamada realidade objectiva, rectilínea, clara e perceptível fosse em si e para si não era passível de relacionamento, pois, ensimesmada, era a totalidade de si e fora de si nada haveria.
Em quarto, reconhecer que não sendo a realidade ensimesmada e fechada sobre si, a realidade que é expressa não por si enquanto para si mas por outrem e para outrem, é ela, apenas, um momento pelo qual perpassa um princípio e uma finalidade.
Quinto, esse princípio e essa finalidade não estando fixados e reféns do momento em que a realidade se expressa ou em que é, por outro ou para outrem, expressão, acontecimento ou simples sucedido, são o que propriamente o pensamento pensa, e para que a realidade adquira a sua razão de ser.

Se o pensamento fosse imanente, como procura demonstrar sem sucesso há milénios a ciência dita materialista, não seria formulável a possibilidade do progresso porque ele estaria imediatamente suposto e presente em todo o tempo. Negaria até o tempo e a sucessão. Mas se assim pudesse não ser, poder-se-ia, ainda dizer, que não há impedimento, nem mistério, nem alguma distância, que pudesse alguma vez ter separado e afastado a origem do fim no movimento progressivo. Se não houvesse mistério então nunca teria havido essa separação. O chamado progresso não é material mas de ordem espiritual e aí é que as divergências surgem.

O caminho da modernidade formou-se na presunção da negação do mistério e da transcendência. Conta uma história acessível a todos os que não perdem tempo com especulações filosóficas e que tem a aparência de estar bem contada: os homens quando não pensavam acreditavam numa coisa que inventaram que lhes servia de justificação por isso mesmo de não ser demonstrável materialmente, mas com o passar dos séculos o homem foi-se apurando intelectualmente e deixou de acreditar nas coisas que não podia demonstrar por não serem palpáveis e passou a perseguir um caminho heróico que foi o de explicar a realidade (descrevendo-a) na expectativa de um dia a poder descrever e perceber totalmente. É heróico porque se presume corajoso por recusar tudo o que lhe foi transmitido e lutar sozinho contra tudo. Mas tudo isto não passa de uma velada soberba que resulta, na prática, numa tentativa de ocupar o mundo e o condicionar a um discurso com resultado e benefício em foro próprio. Como se ocupando o mundo o tornasse seu e o pudesse dominar em absoluto, fazendo dele um objecto de serviço à sua vontade. Entre o que permanece, porém, por explicar é, porque é que então não domina, mas apenas destrói?

E destrói porque lhe retirou a propriedade pela qual ele tem razão de ser, para o tornar como objecto esvaziado e sem razão de ser manipulável, utilitário, dominável e, finalmente, destrutível. Será a destruição do mundo o almejado sinal do progresso?

sexta-feira, 20 de maio de 2011

O pessimismo é insustentável


Um disse: Nasce-se, vive-se e morre-se; esforçamo-nos, excedemo-nos, realizamo-nos, mas tornamo-nos obsolescentes, passíveis de dó e desaparecemos sem fulgor, ultrapassados e pesados. Para quê?

Outro disse: Não vale a pena ter nascido e vivido se não valer a pena morrer. Se tudo é obsolescente, triste e perdido…

O outro outra vez: Se alguma coisa nega aquilo por que é e em que é, nega-se a si mesmo, e essa negação de si mesmo é, desde logo, um erro lógico, porque anula o que se apresenta como se o pudesse fazer ou, até, como se por o fazer o fizésse. E não faz. Então, é necessário pensar como é que o pessimismo que nega qualquer evidência, uma vez que nega o pensamento e o que pensa o pensamento, pode sustentar o seu pessimismo perante a realidade. Não sustenta!

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Sobre o passar do tempo



Mudou tudo, e tanto, que às vezes parece que não vivemos no mesmo mundo.

Tudo o que houve pelo meio, faz-nos sentir que o que há pouco tempo era o nosso lugar habitual, é, agora, um lugar a que regressamos como se há muito tempo lá não fossemos. E olhamo-lo com uma indisfarçável saudade, semi-cerrando os olhos, como se fizéssemos um esforço para recordar o que ainda há pouco era absolutamente presente.