terça-feira, 24 de novembro de 2009

Seis personagens à procura de autor



O Pai, uma das seis personagens que irrompe num ensaio de teatro à procura de um autor que lhes permita viver até ao fim a tragédia que os une, pergunta a um estupefacto encenador se ele se julga um ser mais real do que qualquer personagem.

O encenador, um jovem auto-confiante que apenas vislumbrava, ao longe, o mistério do teatro, olha incrédulo, mas temeroso, para a personagem que se lhe dirige e responde-lhe, com indignação, que —Obviamente que sim!

A personagem, então, explica-lhe por que é que ele está enganado: um homem vive a sua vida de tantas formas que acaba por ser em momentos ou situações diferentes mais do que uma personagem, acabando por não ser, verdadeiramente, nenhuma delas. Tudo nos homens em geral acaba por isso por ser fictício e não autenticamente real. Já as personagens só são, e nunca deixam de ser ,aquilo que são: a sua realidade não é fictícia. As personagens são reais, isto é, têm a si agarrado o seu destino.

Com esta posição, Pirandello, inverte os papéis comummente atribuídos à vida e ao teatro. A vida torna-se numa ficção onde os homens se iludem e o teatro devem o palco da realidade onde ninguém se esconde e onde tudo tem de acontecer, por causa da verdade. Ainda que a verdade seja uma tragédia para as personagens, como anuncia o Pai quando roga ao jovem encenador que os deixe viver a tragédia que trazem no seu seio.

As personagens adquirem realidade a partir do momento em que nascem no espírito ou pelo espírito de quem, imaginando-as, lhes deu uma existência potencial. Só que no momento em que nascem, adquirem uma existência trágica, porque nessa personagem nascitura está inscrita toda a fatalidade de um destino que determina todo o seu ser. A personagem, sendo real de algum modo não pode aspirar à liberdade: é-lhe vedada toda a errância. Por outro lado, interrogamo-nos, alguém é livre fora da razão que lhe deu origem?

O que as personagens cumprem é o carácter necessário implícito nos conflitos. Esses conflitos não estão na natureza mas na vida espiritual, pois é aí que todas as questões humanas se colocam. O que tece o destino das personagens é a sua fidelidade lógica àquilo que representam, ou seja, a ideia. O lugar que se atribuir à ideia dará a dimensão da personagem.

O teatro é real e não fictício na medida em que soleniza e mostra os actos humanos de libertação, sendo o espelho de uma realidade que no dia a dia se esconde. O teatro liberta, por não ser espelho do mundo sensível, mas do mundo inteligível.

A liberdade dos homens não é a ilusão da anarquia nem o equilíbrio das liberdades individuais ponderadas. Libertar-se é cada um descobrir e reconhecer a sua singularidade. Como as personagens, que afinal, talvez não sejam prisioneiras de uma ideia, mas a expressão da própria ideia.

Sem comentários:

Enviar um comentário