domingo, 6 de dezembro de 2009
Fernando Pessoa e a nova poesia portuguesa
O que F. Pessoa tentou antecipar foi uma razão de ser de Portugal e do seu destino, urdidos num estudo de história comparada, ou seja, deduzir a consciência de uma identidade a partir da visão poética inaugurada por uma plêiade de poetas num determinado momento histórico, à semelhança da interpretação que fez em “A Nova Poesia Portuguesa” ao estudar as relações da poesia e da política em Inglaterra e em França, povos de superiores, que inscreveram a sua mundividência na história universal.
O homem comum vive a vida imposta pelas contingências existenciais determinadas pela política, pela cultura e pela economia. O poeta destaca-se dessa fatalidade de fundo e introduz tropos poéticos —mentais e sentimentais— que acordam no homem comum uma outra vida encoberta e reprimida pelas necessidades imediatas e dá-lhes uma nova vitalidade, que o pode tornar capaz de actos heróicos dirigidos a uma outra dimensão que a do simples viver acabrunhado.
Os poetas, cada um a seu modo, são heróis que convocam a heroicidade. Convidam à libertação e ao abraço do sacrifício. A radicalização que a poesia traz, porque é integra, isto é, mental e sentimental, assusta o status quo e, logo, é circunscrita e vigiada para que não se empolgue, nem galvanize os homens comuns adormecidos e temerosos. O perigo da poesia é a convocação do herói encoberto que jaz no íntimo de cada um e que é aquela visão, que a todos sendo revelada no simples acto de poder pensar, permanece oculta e repudiada pela inconveniência de que se reveste.
Todos os “Pessoas” apelam a uma consciência do mundo como o lugar onde cada eu está distante da sua razão de ser e que, por isso, adia o seu destino. Esse homem desencontrado percorre muitos caminhos, muitas identidades, muitos heterónimos, mas em todos eles uma unidade substancial se adivinha.
Ao contrário das filosofias da existência ou do ser, que sempre cristalizam e falecem sem seiva renovadora, na visão que F. Pessoa induz, nasce um homem futurante, despojado, que se despe das ilusões do ser até à nudez completa e, então, contemplativa da verdade. Da verdade que estiver no final do caminho para receber aqueles que a ela se entregaram sem reservas nem calculismo. Só assim, aliás, é possível não entificar aquilo que, se o fosse, logo se negaria. Aceitar esta abertura ao que não se prova nem circunscreve, é o sentido último, é a finalidade do movimento da razão criadora, é o caminho iniciático, individual, que a consciência pátria propicia. Consciência pátria como mediação do saber universal.
Os tropos poéticos progridem para teoremas filosóficos e o saber que a poesia intui adquire expressão e dimensão humana e transcendente na filosofia. O movimento poético antecede, anuncia e propicia o movimento filosófico que lhe é implícito. Em Portugal, a poesia e a filosofia inauguraram essa visão universal que se distingue pela recusa da redução da verdade ao ser. Em Portugal, isto é, nos filósofos portugueses a redução do ser à verdade inaugura uma visão que levou Álvaro Ribeiro a falar, não de um supra-Camões mas de um supra-Dante e esse supra-Dante seria a filosofia portuguesa.
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