Sem pensar a transcendência não há progresso para a humanidade. Qualquer forma de pensar ou agir, ou simples gesticular, nasce sempre na imprevisibilidade do futuro. Se o mínimo acto pudesse ser adivinhado (sem ser por sorte mas por demonstração silogística e portanto necessária) então estaríamos perante o fim do mistério e o fim da transcendência. Acontece que o mundo, embora procure sistematicamente a previsibilidade nunca a consegue confirmar. E se a transcendência fosse uma ilusão, então, a imanência seria a realidade e difícil se tornaria perceber o que separa isto daquilo, ou como é que aqui não é já ali.
Também a história que é a história do homem não se prevê, não se antecipa, nem, por isso, se conhece absolutamente. Conhecê-la absolutamente era ter a possibilidade de a prever e antecipar. O que à posteriori se presume conhecer e saber é tão misterioso como o que não tinha ainda sucedido. Presumir que por ter sucedido é passível de conhecimento absoluto e integral é mais um dos equívocos do nosso tempo marcado pelo materialismo científico. Dito tal.
Mas se não há previsibilidade científica, nem antecipação de factos e se o conhecimento do que acontece permanece misterioso e nalgum grau insondável, então, de que falamos quando falamos da realidade, da experiência e do saber? Cinco pontos prévios.
Primeiro, deveríamos reconhecer a diferença entre pensar e exercer um raciocínio.
Em segundo, reconhecer que pensar é pensar a realidade que está para além do que aparece e o que aparece, se surge como o objectivo e o rectilíneo, o claro e o perceptível, só o é na medida em que sobre ele se pode especular e esse exercício especulativo não se exerce da coisa observada para a capacidade, ou faculdade de pensar, mas porque há essa capacidade ou faculdade de pensar que é por sua propriedade especulativa.
Em terceiro, que se a chamada realidade objectiva, rectilínea, clara e perceptível fosse em si e para si não era passível de relacionamento, pois, ensimesmada, era a totalidade de si e fora de si nada haveria.
Em quarto, reconhecer que não sendo a realidade ensimesmada e fechada sobre si, a realidade que é expressa não por si enquanto para si mas por outrem e para outrem, é ela, apenas, um momento pelo qual perpassa um princípio e uma finalidade.
Quinto, esse princípio e essa finalidade não estando fixados e reféns do momento em que a realidade se expressa ou em que é, por outro ou para outrem, expressão, acontecimento ou simples sucedido, são o que propriamente o pensamento pensa, e para que a realidade adquira a sua razão de ser.
Se o pensamento fosse imanente, como procura demonstrar sem sucesso há milénios a ciência dita materialista, não seria formulável a possibilidade do progresso porque ele estaria imediatamente suposto e presente em todo o tempo. Negaria até o tempo e a sucessão. Mas se assim pudesse não ser, poder-se-ia, ainda dizer, que não há impedimento, nem mistério, nem alguma distância, que pudesse alguma vez ter separado e afastado a origem do fim no movimento progressivo. Se não houvesse mistério então nunca teria havido essa separação. O chamado progresso não é material mas de ordem espiritual e aí é que as divergências surgem.
O caminho da modernidade formou-se na presunção da negação do mistério e da transcendência. Conta uma história acessível a todos os que não perdem tempo com especulações filosóficas e que tem a aparência de estar bem contada: os homens quando não pensavam acreditavam numa coisa que inventaram que lhes servia de justificação por isso mesmo de não ser demonstrável materialmente, mas com o passar dos séculos o homem foi-se apurando intelectualmente e deixou de acreditar nas coisas que não podia demonstrar por não serem palpáveis e passou a perseguir um caminho heróico que foi o de explicar a realidade (descrevendo-a) na expectativa de um dia a poder descrever e perceber totalmente. É heróico porque se presume corajoso por recusar tudo o que lhe foi transmitido e lutar sozinho contra tudo. Mas tudo isto não passa de uma velada soberba que resulta, na prática, numa tentativa de ocupar o mundo e o condicionar a um discurso com resultado e benefício em foro próprio. Como se ocupando o mundo o tornasse seu e o pudesse dominar em absoluto, fazendo dele um objecto de serviço à sua vontade. Entre o que permanece, porém, por explicar é, porque é que então não domina, mas apenas destrói?
E destrói porque lhe retirou a propriedade pela qual ele tem razão de ser, para o tornar como objecto esvaziado e sem razão de ser manipulável, utilitário, dominável e, finalmente, destrutível. Será a destruição do mundo o almejado sinal do progresso?
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