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sábado, 9 de março de 2013

Hipnos e Morfeu



Deitados na cama ou até adormecidos num sofá , repetimos diariamente a experiência de morrer. Mas a morte de quem se reclina e se deixa voluntária e docemente prostrar, acredita que, de manhã, uma luz auroral lhe entrará pelo quarto e o fará acordar como quem ressuscita para a vida consentidamente interrompida.

O sorriso com que se entra nesse irmão da morte que é o sono, é traçado pela confiança de que a ressurreição é certa e trará consigo uma certa renovação da própria vida que por horas se interrompe.

Mais enigmático ainda é, por se saber que, muito provavelmente, se acorda de manhã, e, então, se regressa à vigilância, alguém se deitar tranquilamente apesar de ficar à total mercê de qualquer acto que possa aproveitar essa suspensão da atenção, da vigília e da guarda. Seres que vivem um terço do tempo da sua vida à mercê do que os possa submeter, tomar, raptar, matar, etc., conseguem, ainda assim, repousar a cabeça numa almofada e entregarem-se nos braços de Morfeu (sonho), filho de Hipnos (Sono).

Intrigante mistério este, de tanto procurarmos defesas, seguranças e garantias que nos preservem a vida e, em cada dia, repetida e previsivelmente, nos entregarmos, serenamente desprotegidos, no convívio  íntimo com o mais perigoso – o mal – e o mais trágico – a morte.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Transcendência e Progresso


Sem pensar a transcendência não há progresso para a humanidade. Qualquer forma de pensar ou agir, ou simples gesticular, nasce sempre na imprevisibilidade do futuro. Se o mínimo acto pudesse ser adivinhado (sem ser por sorte mas por demonstração silogística e portanto necessária) então estaríamos perante o fim do mistério e o fim da transcendência. Acontece que o mundo, embora procure sistematicamente a previsibilidade nunca a consegue confirmar. E se a transcendência fosse uma ilusão, então, a imanência seria a realidade e difícil se tornaria perceber o que separa isto daquilo, ou como é que aqui não é já ali.

Também a história que é a história do homem não se prevê, não se antecipa, nem, por isso, se conhece absolutamente. Conhecê-la absolutamente era ter a possibilidade de a prever e antecipar. O que à posteriori se presume conhecer e saber é tão misterioso como o que não tinha ainda sucedido. Presumir que por ter sucedido é passível de conhecimento absoluto e integral é mais um dos equívocos do nosso tempo marcado pelo materialismo científico. Dito tal.

Mas se não há previsibilidade científica, nem antecipação de factos e se o conhecimento do que acontece permanece misterioso e nalgum grau insondável, então, de que falamos quando falamos da realidade, da experiência e do saber? Cinco pontos prévios.

Primeiro, deveríamos reconhecer a diferença entre pensar e exercer um raciocínio.
Em segundo, reconhecer que pensar é pensar a realidade que está para além do que aparece e o que aparece, se surge como o objectivo e o rectilíneo, o claro e o perceptível, só o é na medida em que sobre ele se pode especular e esse exercício especulativo não se exerce da coisa observada para a capacidade, ou faculdade de pensar, mas porque há essa capacidade ou faculdade de pensar que é por sua propriedade especulativa.
Em terceiro, que se a chamada realidade objectiva, rectilínea, clara e perceptível fosse em si e para si não era passível de relacionamento, pois, ensimesmada, era a totalidade de si e fora de si nada haveria.
Em quarto, reconhecer que não sendo a realidade ensimesmada e fechada sobre si, a realidade que é expressa não por si enquanto para si mas por outrem e para outrem, é ela, apenas, um momento pelo qual perpassa um princípio e uma finalidade.
Quinto, esse princípio e essa finalidade não estando fixados e reféns do momento em que a realidade se expressa ou em que é, por outro ou para outrem, expressão, acontecimento ou simples sucedido, são o que propriamente o pensamento pensa, e para que a realidade adquira a sua razão de ser.

Se o pensamento fosse imanente, como procura demonstrar sem sucesso há milénios a ciência dita materialista, não seria formulável a possibilidade do progresso porque ele estaria imediatamente suposto e presente em todo o tempo. Negaria até o tempo e a sucessão. Mas se assim pudesse não ser, poder-se-ia, ainda dizer, que não há impedimento, nem mistério, nem alguma distância, que pudesse alguma vez ter separado e afastado a origem do fim no movimento progressivo. Se não houvesse mistério então nunca teria havido essa separação. O chamado progresso não é material mas de ordem espiritual e aí é que as divergências surgem.

O caminho da modernidade formou-se na presunção da negação do mistério e da transcendência. Conta uma história acessível a todos os que não perdem tempo com especulações filosóficas e que tem a aparência de estar bem contada: os homens quando não pensavam acreditavam numa coisa que inventaram que lhes servia de justificação por isso mesmo de não ser demonstrável materialmente, mas com o passar dos séculos o homem foi-se apurando intelectualmente e deixou de acreditar nas coisas que não podia demonstrar por não serem palpáveis e passou a perseguir um caminho heróico que foi o de explicar a realidade (descrevendo-a) na expectativa de um dia a poder descrever e perceber totalmente. É heróico porque se presume corajoso por recusar tudo o que lhe foi transmitido e lutar sozinho contra tudo. Mas tudo isto não passa de uma velada soberba que resulta, na prática, numa tentativa de ocupar o mundo e o condicionar a um discurso com resultado e benefício em foro próprio. Como se ocupando o mundo o tornasse seu e o pudesse dominar em absoluto, fazendo dele um objecto de serviço à sua vontade. Entre o que permanece, porém, por explicar é, porque é que então não domina, mas apenas destrói?

E destrói porque lhe retirou a propriedade pela qual ele tem razão de ser, para o tornar como objecto esvaziado e sem razão de ser manipulável, utilitário, dominável e, finalmente, destrutível. Será a destruição do mundo o almejado sinal do progresso?