Há,
actualmente, um cinema que não se corrompe na tentativa de manipulação do
espectador, que não tenta manipular as suas emoções, nem ser moralista quanto
às razões da acção de cada um. Vimos isso em O Segredo dos Teus Olhos, em Num
Mundo Melhor (Hævnen) ou em Le Havre e em muitos outros cinemas fora da
influência dos modelos de produção estandardizada, industrial e dirigidos às
massas enquanto massas.
Este
cinema, aparentemente de baixo orçamento, enraíza-se numa tradição
poético-literário-dramatúrgica em que a imagem nem se autonomiza, nem se
sobrepõe ao desenvolvimento do drama. É um cinema que vive da representação e,
por isso, da palavra e da sua pausa, o silêncio. A imagem passa despercebida
enquanto intenção estética dando, não obstante, a cor dos ambientes e
gerindo os planos com a intenção de fazer sobressair a expressão, a eclosão da
palavra e da sua forma de ser soprada, dita, proferida. Na fotografia (cenário),
também, de Asghar Farhadi apesar da profundidade de campo dos magníficos planos
de conjunto onde a geografia dos espaços, das personagens e das suas relações
em conflito se encontram, predominam os grandes planos das personagens, fazendo
sobressair a pessoa, essa através da qual soa, a voz e o carácter.
É
do carácter que o filme trata, ou seja, da forma como cada um se rege por
princípios que assume e mantém, ou que adapta por conveniência de outras
causas, ou que manipula por puro interesse próprio. Todas as personagens com
capacidade de decisão são confrontadas com a sua consciência e com o dever
moral, uns, e imperativo ético, outros, num desenrolar de vários tipos de
conflitos: entre marido e mulher, entre patrão e empregado, entre pais e
filhos, entre lei e natureza.
Todos
os conflitos têm origem no confronto das interpretações dos vários tipos e
graus da lei. A lei, isto é, o conjunto dos princípios, das regras, dos
preceitos, das tradições reconhecidas e das práticas definidas no Direito, é o
que determina nas sociedades a possibilidade da sua existência. Sem lei não há
sociedade. Procurando garantir-se pela lei, cada indivíduo procura a razão dos
seus actos e julga inevitavelmente os actos dos outros. A sociedade, enquanto
resultado da harmonia assumida pelos diversos indivíduos depende, de a assumpção que cada um tiver feito
da lei, estar ou não de acordo com o que cada outro indivíduo tiver, por seu
lado, assumido. A origem dos conflitos é, para além dos interesses de cada um e
da possibilidade de os manipular, a interpretação que cada um faz desse acordo.
Cada
um, por seu lado, imagina e concebe esse acordo conforme a sua percepção,
conhecimento e sabedoria. Como se
vê ao longo do filme, todos têm as suas razões subjectivas para orientar os seus
actos, excepto o juiz que analisa as diferentes situações – divórcio,
despedimento e morte do feto, descuido nos cuidados com o doente e a atribuição
da responsabilidade parental– à luz da lei e não das verdadeiras razões que
entre verdades e pequenas mentiras resultantes de balanços e necessidades de
cada um, motivaram os seus actos.
Tudo são subtilezas de interpretação, pontos de vista em que o conflito entre interesse, dever e consciência, triangulam no íntimo das personagens gerando afirmações e contradições, certezas que se transformam em hesitações e um processo de acusação e culpa permanente que desfere juízos e acaba em perdões.
O filme abre e fecha com o plano de um casal, Nader
(Peyman Moaadi) e Simin (Leila Hatami), em processo de separação. Primeiro
pedindo ao tribunal a separação que não é concedida e no fim com o mesmo casal
separados num corredor à espera da decisão da filha Termeh (Sarina Farhadi) sobre com qual dos dois
quer ficar. Tudo o que se passa entre estes dois momentos é uma permanente
separação, como se cada um dos conflitos abertos fosse uma permanente separação
não só entre as pessoas, mas também de si mesmos. Como se o direito, a lei e o
juízo fosse o que separa e não o que é precisamente para unir.
Tudo são subtilezas de interpretação, pontos de vista em que o conflito entre interesse, dever e consciência, triangulam no íntimo das personagens gerando afirmações e contradições, certezas que se transformam em hesitações e um processo de acusação e culpa permanente que desfere juízos e acaba em perdões.
Dos
padrões morais e éticos das personagens evolui-se para as reacções perante as
situações e dessas reacções surgem, na relação com os outros, os conflitos. Um
exemplo deste conflito é o de Razieh (Sareh Bayat) que perante a necessidade de
sustentar sob juramento sob o Alcorão o que sabia ser uma mentira, recusou
jurar, ainda que com isso tenha prejudicado o marido Hodjat (Shahab Hosseini) que seria o principal
beneficiário da mentira.
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