segunda-feira, 2 de abril de 2012

Registos de Cinema XV, Coriolanus de Ralph Fiennes, 2011



Coriolanus de Shakespeare, em versão contemporânea de Ralph Fiennes que co-assina o Argumento, realiza e representa o papel principal ao lado de Vanessa Redgrave (Volumnia), Jessica Chastain (Virgilia) e de Gerard Butler (Tullus Aufidius), é uma obra de registo híbrido. Nem recria a Roma do séc-V a.c., nem moderniza o discurso das personagens fazendo-as representar como no século de Shakespeare apesar de filmarem manifestações com telemóvel e seguirem a guerra em directo nas notícias da televisão.

Há outro aspecto híbrido para além do registo, que é o cenário e o tempo. Um lugar que também se chama Roma ao lado de umas terras de um povo que também se chama  Volscos, ou seja, que nem é Roma nem são os Volscos e, por isso, são não-lugares de uma acção totalmente desenraizada e inverossímil, cruzados com uma sensação de que não há um tempo dos acontecimentos, quer dizer, que não há um devir histórico, e tudo se passa numa pura arbitrariedade, fora do tempo e fora da realidade.

Tudo isto é possível porque se trata de um texto de Shakespeare. E um texto de Shakespeare, mesmo mergulhado na estranheza de estar fora do tempo e do espaço, fora de um concreto devir, trata de assuntos que não carecem dessa situação. Trata do modo como cada um se deixa dominar pelas paixões e como isso o conduz aos conflitos de que não pode dizer-se vítima mas sim autor.

Nas personagens de Shakespeare prevalece a liberdade individual na escolha do bem e do mal, do belo e do feio, da verdade e da mentira. São as paixões a que cada um se entrega e que o podem, ou não, dominar, que lhe definem o carácter e o destino: porque a vida não é uma ficção sem consequências, mas sim uma realidade que se projecta a partir de cada um e implica conflitos que não se evitam por vontade. A racionalidade no homem, a racionalidade do espírito, sobrepõe-se ao voluntarismo, aliás, submerge-o. O homem nada pode contra o poder das paixões que o incendeiam, consomem e acabam por destruir.

O moralismo é esvaziado pelo provérbio. Shakespeare não esconde as personagens num discurso moral, pelo contrário, expõe-nas ao saber decantado dos provérbios, que nos ensinam que para além do que presumimos saber, há um diabo que nos troca as voltas, e nos acaba por fazer saber que os avisos não eram juízos morais que a nossa ousadia e atrevimento pretenderam contestar, mas provérbios que o tempo já testou e que não vale a pena provocar. O avaro é vítima da avareza, o curioso é vítima da curiosidade, o cobarde é vítima da cobardia, etc.

Em “Coriolanus”, o auto-investimento do poder e o seu exercício sem contemplações, sem paciência, e sem partilha com os outros, conduziu Caius Marcius à situação frágil e desprotegida dos que estão sós e rodeados pela inveja, o medo e a vergonha dos fracos. Foi-lhe fatal.

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