quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Registos de Cinema XI, Une petite zone de turbulences de Alfred Lot, 2010


Um filme banal, sem muita graça, uma comédia de costumes que vive dos comportamentos hiperbólicos, disfuncionais e inconsequentes das suas personagens. Um filme deste tipo não justificaria uma reflexão séria por haver nele uma implícita manipulação refém do cómico de situação.

Apesar de superficial, o filme pretende tratar de um tema: o amor, ou melhor, as relações emocionais. Não do amor na sua profundidade substancial, mas do amor enquanto objecto, enquanto suporte útil das relações entre as pessoas. Esta versão do amor é aquela que traduz os tempos actuais e, por isso, não sendo o filme nada de especial tem o mérito de dar o lado ligeiro com que o amor é tratado e vivido nos nossos dias. Na prática é um filme que trata do amor que não existe entre pessoas que dizem que se amam. Bem diferente de um outro filme recente “Barney’s Version” de Richard J. Lewis (2010) onde o amor é tratado com uma precisão tocante e até comovente.

Jean Pierre Muret (Michel Blanc), um reformado , ainda um pouco incomodado com a sua reforma compulsiva, descobre uma mancha nas costas, um pouco acima da anca e convence-se que é um cancro e que vai morrer. A família próxima é a mulher Anne (Miou-Miou) com quem vive e que o engana às tardes com um ex-colega de escritório dele, David (Wladimir Yordanoff), e dois filhos: Cathie (Mélanie Doutey), separada mas amiga do ex-marido, Fabien (Eric Caravaca), com quem reconhece ter tido a paixão da sua vida, e com um filho de 5 anos, Hugo (Jolhan Martin), pretende voltar a casar com um empresário da noite, Philippe (Gilles Lelouche), proprietário de uma discoteca, casamento que o pai desaprova totalmente por considerar Philippe totalmente desadequado para a filha; e Mathieu (Cyril Descours), gay, vive com um namorado, Olivier (Yannick Renier), numa relação conhecida mas não assumida.

O espectro da morte e o casamento da filha, produzem uma turbulência que vai alterar a ordem recente da vida familiar levando ao desenlace das mentiras escondidas e dos factos não assumidos e à superação dos receios prorrogados e das hesitações estéreis.

Todas as personagens são emocionalmente imaturas, todas as personagens não vivem o amor tal qual ele é, mas segundo o desejo do que cada um quer que ele seja, de acordo com as suas necessidades, interesses e conveniências. Um amor que ou é à medida, ou não serve. É neste aspecto que vale a pena olhar para este filme. Todos os equívocos e conflitos têm origem numa coisa muito simples: o amor não é o que nós queremos que seja mas o que acontece, e o que acontece, está para além da nossa vontade, interesse e conveniência, é uma revelação e é um caminho que se segue largando todos os outros. Obriga a opções, obriga a “sair da zona de conforto”. É uma raridade. Quem o descobre alimenta-o, quem não tem disponibilidade para se abrir a ele apenas o consome nas suas formas mais egoístas, como o sexo. Chama-lhe amor para se atribuir uma dignidade e um valor, mas essa nomeação é apenas um anestésico para a consciência.

Percebemos naquelas juras de amor e naquelas decisões de amar, nas promessas, uma forma infantil de ilusão, a estafada ideia de avançar e depois logo se vê, o querer acreditar. O amor que não põe o outro primeiro não é amor, poderá ser necessidade de companhia, necessidade de afirmação social, poderá ser necessidade emocional, mas não é amor.

Jean Pierre, como todo o ser que se deixa transtornar pôs o seu ego à frente dos que o rodeavam; Anne, como todo aquele que engana pôs a sua  vontade à frente do respeito e da fidelidade; Cathie, queria um futuro marido, mas tinha dificuldade em  aceitar o que se perfilava tal qual ele era; Mathieu, tinha o namorado mas queria-o separado da sua vida, metido, estanque, na gaveta da sua fantasia mas fora de todas as outras; enfim, todos punham qualquer coisa, senão tudo, à frente do que diziam amar. Nenhum amava. Todos fantasiavam sem conteúdo. No filme, claro!, porque trata de pessoas inconsequentes, e se trata de uma comédia ligeira, tudo acaba em grande harmonia e expurgando dessa harmonia a única personagem que tentou ser verdadeiro, o amante da mulher, que apesar de enganar um amigo no ponto vital que é a intimidade de uma relação, tentou que a mulher, sempre hesitante de carácter, se assumisse na verdade nua e crua. O que ela não fez.

Desta estranha normalidade se faz este filme, banal, superficial, sem grande graça, mas que traduz uma certa moral que se tornou comum e aceite, genericamente, nos nossos tempos.

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