quarta-feira, 4 de abril de 2012

Registos de Cinema XVI, Un Amour de Jeunesse de Mia Hansen-Løve, 2011



1. Um amor de juventude que não se sustenta porque é demasiado absorvente para ser vivido na adolescência e que, permanecendo absorvente nos primeiros anos da vida adulta, continua impossível e a ele têm de renunciar os amantes para que não se consumam totalmente, esperando por anos de serenidade para se reencontrarem definitivamente.

A ideia que subjaz em toda a história é a de um amor que não se corrompe e permanece na mais profunda idealidade e ternura. Porém, para que não se corrompa, é transposto do palco da vida onde tudo se corrompe com o tempo, para o altar da privação onde tudo é memória e possibilidade.

Enquanto vive em potência, como esperança, como algo que não se deixa consumir, alimenta-se da dor da privação, da voluntária privação que parece salvaguardar um bem maior, um bem que projectado no futuro quase parece projectar-se para além do real tornando-se ideal, ou seja, transcendente.

Atendendo ao que no filme não é dito, de algum modo a juventude e a sua generosidade ingénua é o padrão do mais fogoso e mais místico amor.

2. Na moral da obra, o amor suplanta a infidelidade e a infidelidade acaba por ser o factor de acalmia para a incendiada paixão que não se apaga. No reencontro entre os amantes, não obstante ela, Camille (Lola Créton), estar comprometida com o marido, Lorenz (Magne-Håvard Brekke), tudo se retomou como se nem se tivesse interrompido. A intimidade era quase natural e a distância não existia. Porém, perante o prelúdio de uma nova alienação Sullivan (Sebastian Urzendowsky) impõe novo afastamento.

Depois de uma reacção dolorosa Camille regressa a Lorenz e parece viver feliz na resignação, porque sublima o amor e transporta-o para um outro estado em que permanece dentro de si mais secreto e íntimo que nunca. Lorenz que é a figura que a impede de se perder e lhe dá segurança, é para ela suficientemente indiferente para não o confundir no seu amor e lhe permitir viver secretamente e sem perturbação o seu amor enquanto sonho, enquanto ideal.

3. No reencontro e nas saídas na sequência desse reencontro, Camille, procura as diferenças que a separam de Sullivan e conclui que não sabe porque o ama tanto e tão definitivamente. Sullivan, sempre aflito e preocupado com o que pode perder por ser possuído por aquela avalanche amorosa, sabe em cada momento afastar-se embora, depois, nada mais perca se não a presença e a companhia daquilo que verdadeiramente ama: Camille.


4. Um filme em que a posse e a separação são pólos de uma visão jovem mas autêntica, de um amor sem manhas, sem truques, sem oportunismos, sem aviltamento do outro. Um amor puro, duradouro e resistente a tudo. Um filme em que a ingenuidade não se perde, ou não se deixa perder, e parece até encher a alma redescobrindo a alegria.

Num certo sentido, quase poderíamos dizer, um filme religioso, porque um filme de amantes que acreditam, que se correspondem e que não precisam da evidência da presença para permanecer em estado de graça: amantes e triunfantes.

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