Sempre ficará uma sensação de incumprimento quando se tratar de uma personagem histórica com
a importância de Margaret Thatcher numa perspectiva que secundariza o centro da
sua acção e da sua intervenção no curso da história que escreveu e moldou.
Se o momento que
vivemos, do ponto de vista económico e social, requer um exemplo de liderança, aquela
que tanto tem faltado na Europa, talvez fosse mais oportuno um biopic que
demonstrasse o que é um político inteiro e que importância têm as convicções e
as decisões de carácter político que interpretam, contra ventos e marés, medos e
hesitações, tácticas partidárias e interesses pessoais, as nações e as pátrias,
a sua história e o seu destino. É com esses políticos que o Povo se identifica,
e são esses políticos que, por causa dessa identidade com o Povo, definem a
história e as fisionomias das Pátrias.
Em The Iron Lady é-nos dada uma fase do
processo, dito, de demência que se foi adensando após ter saído do 10 da Downing St. sugerindo até, que na fase
final da sua governação, Margaret Thatcher tivesse já sentido alguns sinais preocupantes, como
tremuras e dificuldades de visão, da doença que a viria a diminuir. Curiosamente, essa fase, que é intermediada
por permanentes flashbacks que vão pontuando alguns dos momentos cruciais da sua ascensão e declínio políticos e também com factos da sua
vida pessoal, incorpora um lado fantasioso e, simultaneamente, irónico e
divertido, que sempre a terá acompanhado e de algum modo, tendo formado o seu
mundo, fechado, familiar, intimista, assim permaneceu depois da morte do seu
marido Denis. Margaret Thatcher parece sempre ter vivido com aquele diálogo
interior dentro dela.
Singrou por
entre dificuldades económicas e sociais, vinha de um meio popular de pequenos
comerciantes; singrou por entre dificuldades de género, era uma mulher no
mundo dos homens; singrou por entre dificuldades de afirmação de um modelo político, era
liberal entre socialistas e comunistas e conservadores cobardes; singrou num
momento histórico de colapso económico e social, a Inglaterra estava na
bancarrota ocupada por sindicatos e refém de regalias sociais impagáveis; singrou por
entre as dificuldades da guerra fria e do terrorismo tendo contribuído para a
queda do bloco de Leste e mantido uma firmeza inigualável na guerra contra o
terrorismo dentro de portas e fora de portas como no caso da libertação das
ilhas Malvinas. Afirmou a Inglaterra como uma nação de princípios interveniente entre as nações mais poderosas.
Estas dificuldades e
esta permanente superação só acontecem em pessoas excepcionais e com uma
psicologia especial. O filme sugere uma certa bondade na demência que é de
algum modo uma continuação de um “falar sozinha” a que Margaret Thatcher se
habituou desde muito cedo por perceber que teria de travar todas estas batalhas
contando acima de tudo consigo própria, com o diálogo consigo própria, que de
algum modo actualizava em cada momento diálogos pretéritos que ouvira, admirara
e que a marcaram ao ponto de definirem o seu percurso político, a sua convicção íntima
e os seus princípios incontornáveis. A Dama de Ferro era uma mulher cheia de
emoções e sentimentos mas de uma dimensão que ultrapassava o sentimentalismo
vazio dos fracos ou dos oportunistas. É, aliás, um momento alto do filme, aquele
em que Margaret Thatcher define a diferença dos princípios da sua actuação em relação aos outros, através do monólogo em que responde ao médico que a acompanhava, quando este lhe perguntou se para ela
era difícil ser obrigada a sentir. Ela indigna-se e responde:
“What?
What am I bound to be feeling?
People don’t think any more, they feel.
How do you feeling? Oh, I don’t feel
comfortable!
Oh, I’m so sorry we, the group, were
feeling...!
You know, one of the great problems of
our age is that we are governed by the people who care more about feelings than
they do about thoughts and ideas.
Now, thoughts and ideas, that interests
me.
Ask me what I’m thinking!
— What are you thinking, Margaret?- asks
the doctor.
Watch your thoughts, for they become
words.
Watch your words, for they become
actions.
Watch your actions, for they become
habits.
Watch your habits, for they become your
character.
Watch your character, for it becomes your
destiny.
What we think, we become.
My father always said that
And
I think I am fine.”
Este diálogo define o carácter de Margaret Thatcher. Não é uma mulher sem sentimentos, mas alguém que os vive na intimidade da família e dos que ama. Publicamente, a forma de amar os outros é com o pensamento: o pensamento que devém palavras, que devêm actos, que devêm hábitos, que devêm carácter e assim determinam o nosso destino.
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