Um filme banal, sem muita graça, uma comédia de costumes que vive dos comportamentos hiperbólicos, disfuncionais e inconsequentes das suas personagens. Um filme deste tipo não justificaria uma reflexão séria por haver nele uma implícita manipulação refém do cómico de situação.
Apesar de superficial, o filme pretende tratar de um tema: o amor, ou melhor, as relações emocionais. Não do amor na sua profundidade substancial, mas do amor enquanto objecto, enquanto suporte útil das relações entre as pessoas. Esta versão do amor é aquela que traduz os tempos actuais e, por isso, não sendo o filme nada de especial tem o mérito de dar o lado ligeiro com que o amor é tratado e vivido nos nossos dias. Na prática é um filme que trata do amor que não existe entre pessoas que dizem que se amam. Bem diferente de um outro filme recente “Barney’s Version” de Richard J. Lewis (2010) onde o amor é tratado com uma precisão tocante e até comovente.
Jean Pierre Muret (Michel Blanc), um reformado , ainda um pouco incomodado com a sua reforma compulsiva, descobre uma mancha nas costas, um pouco acima da anca e convence-se que é um cancro e que vai morrer. A família próxima é a mulher Anne (Miou-Miou) com quem vive e que o engana às tardes com um ex-colega de escritório dele, David (Wladimir Yordanoff), e dois filhos: Cathie (Mélanie Doutey), separada mas amiga do ex-marido, Fabien (Eric Caravaca), com quem reconhece ter tido a paixão da sua vida, e com um filho de 5 anos, Hugo (Jolhan Martin), pretende voltar a casar com um empresário da noite, Philippe (Gilles Lelouche), proprietário de uma discoteca, casamento que o pai desaprova totalmente por considerar Philippe totalmente desadequado para a filha; e Mathieu (Cyril Descours), gay, vive com um namorado, Olivier (Yannick Renier), numa relação conhecida mas não assumida.
O espectro da morte e o casamento da filha, produzem uma turbulência que vai alterar a ordem recente da vida familiar levando ao desenlace das mentiras escondidas e dos factos não assumidos e à superação dos receios prorrogados e das hesitações estéreis.
Todas as personagens são emocionalmente imaturas, todas as personagens não vivem o amor tal qual ele é, mas segundo o desejo do que cada um quer que ele seja, de acordo com as suas necessidades, interesses e conveniências. Um amor que ou é à medida, ou não serve. É neste aspecto que vale a pena olhar para este filme. Todos os equívocos e conflitos têm origem numa coisa muito simples: o amor não é o que nós queremos que seja mas o que acontece, e o que acontece, está para além da nossa vontade, interesse e conveniência, é uma revelação e é um caminho que se segue largando todos os outros. Obriga a opções, obriga a “sair da zona de conforto”. É uma raridade. Quem o descobre alimenta-o, quem não tem disponibilidade para se abrir a ele apenas o consome nas suas formas mais egoístas, como o sexo. Chama-lhe amor para se atribuir uma dignidade e um valor, mas essa nomeação é apenas um anestésico para a consciência.
Percebemos naquelas juras de amor e naquelas decisões de amar, nas promessas, uma forma infantil de ilusão, a estafada ideia de avançar e depois logo se vê, o querer acreditar. O amor que não põe o outro primeiro não é amor, poderá ser necessidade de companhia, necessidade de afirmação social, poderá ser necessidade emocional, mas não é amor.
Jean Pierre, como todo o ser que se deixa transtornar pôs o seu ego à frente dos que o rodeavam; Anne, como todo aquele que engana pôs a sua vontade à frente do respeito e da fidelidade; Cathie, queria um futuro marido, mas tinha dificuldade em aceitar o que se perfilava tal qual ele era; Mathieu, tinha o namorado mas queria-o separado da sua vida, metido, estanque, na gaveta da sua fantasia mas fora de todas as outras; enfim, todos punham qualquer coisa, senão tudo, à frente do que diziam amar. Nenhum amava. Todos fantasiavam sem conteúdo. No filme, claro!, porque trata de pessoas inconsequentes, e se trata de uma comédia ligeira, tudo acaba em grande harmonia e expurgando dessa harmonia a única personagem que tentou ser verdadeiro, o amante da mulher, que apesar de enganar um amigo no ponto vital que é a intimidade de uma relação, tentou que a mulher, sempre hesitante de carácter, se assumisse na verdade nua e crua. O que ela não fez.
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