Podia chamar-se A sabedoria das boas almas, mas Robert Guédiguian optou por lhe dar o título homónimo da obra de Ernest Hemingway que Henry King adaptou ao cinema com Gregory Peck e Ava Gardner nos protagonistas. O equívoco não deixa de causar estranheza mas aparentemente é apenas uma provocação.
A sabedoria das boas almas é a sabedoria dos que
sabem esperar, dos que olham, dos que respeitam intrinsecamente o outro, todo o
outro, tudo o que é outro. Dos que sabem que o outro é o mesmo, o próprio, e
tudo o que é em função do outro fica no mesmo, no próprio. De onde respeitar os
outros é respeitar-se também a si mesmo.
O filme não pretende dizer que o homem é bom ou
mau. Mas também não pretende reduzir as acções de cada um à circunstância e à
contingência do meio ou da sociedade. Habita as personagens a liberdade de
optar pelo modo como se pretendem realizar como seres humanos. E apesar de
podermos entender as razões de cada um, também percebemos que aquilo que
fazemos é uma decisão nossa e não um fatalismo ditado por condições exteriores,
ou quando são porque a pressão existe, a vulnerabilidade é nossa e de mais
ninguém. Mas assim sendo, cada um é perdoado, ou não, pela capacidade de
perdoar de cada um. O estado, a lei, condena, cega como toda a justiça; mas o
indivíduo perdoa, compensa, ajuda: ama.
É disso que trata o filme: a liberdade e o perdão
como temas que carecem de uma iniciação interior.
Trata a liberdade interior, como libertação como iniciação na
liberdade que cada um não pode possuir, cingir ou limitar ao seu eu, ao contrário
do livre arbítrio que, como vontade e até como reivindicação, é todo ele
concentrado nos limites do eu, do indivíduo separado dos outros, a não ser que
se adune à Liberdade, ao princípio da Liberdade.
É da noção de liberdade como libertação que
surge o perdão como compreensão de que o outro, como o próprio, erra e esse
erro não é definitivo nem trágico, mas parte de um processo que por vezes não
se pode evitar mas no qual não se quer permanecer.
Os conflitos abertos pelo percurso de diferentes
personalidades mostra as diferentes atitudes, as diferentes reacções, as
perspectivas abrangentes do todo e as perspectivas unilaterais e delas conclui
que a felicidade está na visão que é profundamente comprometida e persistente,
quase obsessiva, mas simultaneamente desapegada, aparentemente distante ou
apenas não intrusiva.
O filme explora estes conflitos e escolhe o ambiente
sindical de que a personagem principal é uma figura destacada para acentuar os
contrastes do gregarismo da militância e da afirmação individual, ou talvez
sublinhar que mesmo a militância só se justifica pelo lado ideal, pelo lado que
integra, engloba e acolhe todos numa mesma visão de princípios. A esse propósito
Michel (Jean-Pierre Darroussin) cita Jean Jaurès e o idealismo revolucionário e
a necessidade de fidelidade aos ideais. Por muito ingénuos que possam ser esses
ideais é a intenção do ideal sem maldade que nos diz que a alma é boa e o erro
em que possa incorrer o corrigirá quando dele tiver consciência.
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