Turistas e imigrantes
encontram-se numa ilha. Por razões diferentes. Os primeiros chegam em segurança
e vão para se divertirem; os segundos chegam no limite da sobrevivência em fuga
à miséria e à guerra. Os primeiros enchem a ilha e transformam o espaço público
e a economia. Os segundos escondem-se na ilha mas transformam e expõem o
carácter dos seus habitantes.
A comunidade autóctone deixa
de depender da actividade primária, a pesca, para investir numa actividade
terciária, ou seja industrial: o turismo. A transformação troca no essencial,
produção por serviços. A geração de riqueza passa a estar toda na paisagem
natural e nos serviços que os locais podem prestar aos turistas. De certa forma
perdem a sua autonomia e auto-suficiência, ou antes, a sua coesão comunitária.
Uma comunidade habituada a alimentar-se e a passar de geração em geração o saber
correspondente ao seu mester passa a receber de fora as tendências do que deve
vender, passa a vender a sua própria casa, o seu tempo e a correr o risco de
surgirem, com a consolidação da actividade turística, forasteiros que venham
tomar conta do negócio e a breve prazo até expulsá-los (pagando bem) do seu lugar.
Perante a chegada de
imigrantes do norte de África, a comunidade tende a impor as suas leis, que são
as leis do mar, do socorro ao próximo e da partilha do pão. Porém, a ilha faz
parte de um território nacional cujas leis são impiedosas com a imigração
clandestina e, por isso, as suas leis são subjugadas pelas leis do Estado. O
conflito entre a tradição e a consciência formada por essa tradição e o Estado
e a obrigatoriedade do cumprimento da lei sob pena de sofrer consequências,
levou à desobediência de uns e à cedência às conveniências de outros.
Terraferma é terra firme para
os imigrantes que ali voltam a contactar com a realidade palpável, segura,
firme. Para os habitantes da ilha é o seu porto seguro no meio do mar. Para os
turistas é um lugar de lazer, para sair do tempo e do espaço convencionais e
habitarem uma terra firme mas irreal durante umas semanas. Também poderíamos
chamar-lhe terra fechada, enclausurada, isolada, perdida do tempo e do espaço,
perdida do mundo, um lugar onde se nasce e se morre sem se ter chegado a
contactar com a realidade exterior. Um lapso de tempo, um lugar irreal.
Ainda assim, a presença
humana transforma a vida natural numa vida mental, espiritual. Numa comunidade
como a daquela ilha, os problemas humanos são observados e vividos à luz de
princípios. Os princípios implicam uma prática, não se ficando pela indiferença
e pelo passar ao lado como se fossem problemas que não nos dizem respeito. Mas
também, perante a possibilidade de tirar partido da situação e já com o
aviltamento que o dinheiro trás a quem não vive os princípios, logo se cindiu a
comunidade entre os que querem o progresso e o turismo e entregam ou não salvam
os imigrantes à deriva e os que querem continuar a viver do mar e recusam os
horizontes do progresso mas correm todos os riscos na coerência da sua ética e
salvam e escondem os imigrantes clandestinos.
Sem comentários:
Enviar um comentário