1. Neil (Ben
Affleck) e Marina (Olga
Kurylenko) viveram
em Paris, uma paixão arrebatadora e passearam-se idilicamente no
Mont-Saint-Michel, cuja abadia é denomindada: La Merveille. Mais tarde, nos
EUA, para Neil, cuja profissão é detectar sinais de contaminação em terrenos rurais, a paixão entrou
numa rotina sem esperança e a relação perde o sentido. Disso se apercebendo, Marina, procura Quintana (Javier Bardem), um padre católico que se interroga
permanentemente sobre a sua relação com Deus. Marina decide regressar a Paris sem uma
aparente razão aproveitando o facto, técnico, do seu visto estar a expirar e Neil
não ter decidido casar com ela. Sozinho, Neil reencontra Jane (Rachel
McAdams), de quem tinha gostado na juventude, mas também com Jane, Neil, não foi capaz de se
compromoter e deixaram-se. Marina, entretanto regressa dando-se-lhes uma segunda oportunidade mas, as promessas do primeiro amor
depressa se dissiparam e Neil, no momento de se comprometer com o futuro, apesar
de se terem casado, hesita em ter um filho e Marina destroçada entrega-se ao
primeiro homem conhecido com que se cruza e lhe deita um olhar. Esta a sinopse
de To the Wonder. Dois homens em sentido oposto, um que se deixa tomar pelo vazio
(Neil) e outro que luta pela vida contra o vazio (Quintana o padre). Duas
mulheres (Marina e Jane) que procuram uma realização, uma concretização, um
comprometimento e que são abandonadas.
2. Seria
importante relacionar La Merveille (a abadia do Monte de Saint Michel na Normandia),
com a abordagem do Amor e da Verdade ensaiada por Terrence Malik. Primeiro
porque é explícito na escolha do título do filme, depois porque sendo um dos
cenários do filme e ficando como título há-de ter um significado concreto: há
na “Maravilha” um duplo sentido humano e divino que está presente nesta obra de
Malik. Em teoria, explicando La Merveille poderia explicar-se o filme.
La
Merveille é um lugar que ganha importância com a implementação do cristianismo
na Europa como lugar de oração e estudo. Centro de peregrinação com raízes
religiosas ancestrais, La Merveille, foi sendo construída como uma porta que
liga a Terra e o Céu: a sua arquitectura no estilo gótico flamejante, é em si
mesma a transformação de um macisso rochoso numa abadia monumental enriquecida
por detalhes ornamentais de grande delicadeza.
É este
carácter diria mágico que faz de La Merveille um lugar denso psicologicamente e propício a uma transmutação interior: como se cada um fosse tomado por um encantamento, que
o fizesse tocar os céus. Depois dessa experiência, o mundo, é uma longa
provação. Como se entre as pesquisas geológicas infernais de Neil e o enlace
amoroso com Marina em La Merveille se deambulasse entre o céu e o inferno.
3. To the Wonder, que recebeu em português o título A
Essência do Amor, é uma procura do Amor verdadeiro e da Verdade em si
mesma. O Amor verdadeiro é o que dá o braço à Verdade, é o que, não presume
resumir-se aos falíveis sentimentos humanos mas que procura dar a esses
sentimentos um destino superior à sua simples dissolução. Fala-nos do Amor humano que
se declina do Amor de Deus e que a ele se terá de manter fiel. Diz-se
interrogando:
— Que Amor é este que nos ama, que vem de parte nenhuma, de tudo em redor, do céu, das nuvens? Tu também me amas?
— Que Amor é este que nos ama, que vem de parte nenhuma, de tudo em redor, do céu, das nuvens? Tu também me amas?
O Amor de que todos
participamos não nasce em nós, não nasce em cada um e depois é trocado entre todos. O Amor
é uma relação de que todos participamos e que assume formas diferentes nas relações
sem que deixe de ser o mesmo Amor. É sempre participação de uma realidade que
nos transcende. Da nossa condição, então, não temos a plenitude da experiência
amorosa e o nosso carácter, a nossa incompreensão, a nossa ignorância
exprime-se no bloqueio à corrente do amor, exprime-se no egoísmo, no isolamento
em que nos afirmamos mas em que, depois, ficamos sós e sem Amor.
O padre Quintana,
vive a consciência desse bloqueio, acredita, dedica-se, mas algo nele o impede
da experiência empática com Deus, com o Amor de Deus. Quer ver mas não vê e nas
suas homilias, no seu esforço de compreensão e de comunicação, não foge às
questões e enfrenta-as e diz que se por alguma razão não sentires o Amor então
obedecerás, porque quando Cristo diz Amarás, não está a sugerir mas a mandar
que se ame, a mandar cada um impor-se a essa necessidade de amar para lá da sua
compreensão, pois só assim poderá encontrar o Amor e não, desistindo porque não
sente.
O Amor verdadeiro é
comprometimento, diz Quintana, e essa Verdade do cristianismo, que é todo ele
comprometimento e empenho, dedicação e esperança, não poderia dizer-se outra coisa
sob pena de chegar à mesma conclusão de Anne: se isto não foi Amor então não
foi nada, foi apenas prazer e luxúria. Sem verdade isso é vício. É aqui que se
dá o carácter transfigurador do Amor: tudo se pode sempre reduzir a nada, tudo
se pode sempre reduzir ao vício, mas a consciência permite-nos viver os
sentimentos com uma finalidade para além de apenas sentir, com uma finalidade
que torne os sentimentos robustos e cada vez mais fortes, e isso é o
comprometimento, o empenho, a dedicação, a esperança de uma realização íntima e
transcendente, pessoal e universal. Um comprometimento mútuo em vez de um mútuo uso. Porque estaremos mais disponíveis para sermos usados mutuamente em vez de procurarmos ser mutuamente comprometidos?
Nas suas
deambulações, porque as personagens neste filme parecem sempre deambular numa espiral
interior, surge a segunda pergunta chave do filme: onde estamos quando estamos
lá? Ou, o que é verdade quando estamos lá em cima? Esta interrogação liga a
Verdade e o Amor, ou seja, põe a interrogação sobre o que seja a Verdade numa
perspectiva não humana mas divina: se soubermos o que é a Verdade, o que será essa
Verdade? Daqui apenas a podemos imaginar, sonhar, ou ouvir e não podendo saber
o que é a Verdade pela nossa condição actual, podemos pela oração e pela
reflexão na Verdade revelada ir desvelando e desencobrindo esse Amor que
nos parece distante de nós e quase desumano, caso não fosse para nos dar a
plenitude da nossa humanidade que ele existisse.
Muito bom!
ResponderEliminarAgora, falta-me ir ver o filme; e continuar esta meditação sobre o Amor e a Verdade...