Shame
não é bem sobre a vergonha mas sobre o vício e o sentimento de culpa. Tenta a
ideia de arrependimento mas deixa no ar a reincidência. Sendo sobre o vício é
também sobre a solidão a que o vício conduz. É, alias, a principal consequência
do vício: a solidão, pior, o isolamento. Não tanto pela vergonha mas mais pela
impossibilidade de partilha. O isolamento é a impossibilidade de partilha. Nem só
os vícios isolam, as mentiras, as simulações, as falsidades também isolam, no
entanto, resultam duma chantagem social e emocional que envolve terceiras
partilhas e por isso isolam só em parte. A natureza do vício é o anonimato e a
solidão absolutas. É essa dimensão de absoluto que leva a que muitos não
suportem os seus próprios vícios e sucumbam. Enquanto que as mentiras, as
simulações e as falsidades descobrindo-se ou não criam correntes diferentes de
apoio e repúdio que dissolvem o centro e a responsabilidade individual. O
vício, não: é cerebral, calculado, meticuloso. Por isso, é perigoso. Desenvolve
uma forma de vida paralela à realidade e absolutamente insuspeita. Desenvolve
na pessoa uma segunda vida. Outra pessoa. É este o tema do filme.
Há no início uma rotina maquinal. Brandon
(Michael Fassbender) tem uma vida sem sobressaltos, absurda, mas aparentemente
satisfatória, dividida entre sexo mercenário, sexo ocasional, pornografia e
auto-satisfação. Entra em cena a irmã, Sissy (Carley Mulligan), uma suicida
compulsiva, emocionalmente desequilibrada, que procura protecção, família e um
refúgio que a afaste de si própria e dos seus distúrbios, mas a quem ele
resiste violentamente na defesa do seu território e do seu secreto vício.
Egoísmo puro. Ela apela aos laços de sangue e ele é brutal no despeito e na
rejeição. Ela telefona-lhe ininterruptamente “pedindo socorro”, mas ele,
obsessivamente focado na sua espiral sexual, compulsiva e incontinente recusa
atendê-la e ela, sozinha, acaba por se tentar suicidar novamente. Porém, ele
salva-a in extremis, e perante o
espectáculo de horror descobre a culpa e, aparentemente, o arrependimento.
Fica-se na dúvida. O registo voyeurista do filme, torna-o inconclusivo e sem
densidade. À excepção do título que acaba por ser um juízo moral, uma vez que
no filme não encontramos propriamente um sentimento de vergonha, tudo pretende
ser sem interpretação, uma espécie de vejam
o que aconteceu, ainda que, o que aconteceu seja um arranjo conveniente sem
verdadeira construção da personagem. Quem é Brandon?, de onde vem?, como chegou
ao que chegou?, como vive com isso intimamente? Sobre isto nada. Descreve-se um
anónimo, como se houvesse verdade num estereótipo.
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