segunda-feira, 9 de julho de 2012

Registos de Cinema XX, Les Neiges du Kilimandjaro de Robert Guédiguian, 2011




Podia chamar-se A sabedoria das boas almas, mas Robert Guédiguian optou por lhe dar o título homónimo da obra de Ernest Hemingway que Henry King adaptou ao cinema com Gregory Peck e Ava Gardner nos protagonistas. O equívoco não deixa de causar estranheza mas aparentemente é apenas uma provocação.

A sabedoria das boas almas é a sabedoria dos que sabem esperar, dos que olham, dos que respeitam intrinsecamente o outro, todo o outro, tudo o que é outro. Dos que sabem que o outro é o mesmo, o próprio, e tudo o que é em função do outro fica no mesmo, no próprio. De onde respeitar os outros é respeitar-se também a si mesmo.

O filme não pretende dizer que o homem é bom ou mau. Mas também não pretende reduzir as acções de cada um à circunstância e à contingência do meio ou da sociedade. Habita as personagens a liberdade de optar pelo modo como se pretendem realizar como seres humanos. E apesar de podermos entender as razões de cada um, também percebemos que aquilo que fazemos é uma decisão nossa e não um fatalismo ditado por condições exteriores, ou quando são porque a pressão existe, a vulnerabilidade é nossa e de mais ninguém. Mas assim sendo, cada um é perdoado, ou não, pela capacidade de perdoar de cada um. O estado, a lei, condena, cega como toda a justiça; mas o indivíduo perdoa, compensa, ajuda: ama.

É disso que trata o filme: a liberdade e o perdão como temas que carecem de uma iniciação interior.

 Trata a liberdade interior, como libertação como iniciação na liberdade que cada um não pode possuir, cingir ou limitar ao seu eu, ao contrário do livre arbítrio que, como vontade e até como reivindicação, é todo ele concentrado nos limites do eu, do indivíduo separado dos outros, a não ser que se adune à Liberdade, ao princípio da Liberdade.

É da noção de liberdade como libertação que surge o perdão como compreensão de que o outro, como o próprio, erra e esse erro não é definitivo nem trágico, mas parte de um processo que por vezes não se pode evitar mas no qual não se quer permanecer.

Os conflitos abertos pelo percurso de diferentes personalidades mostra as diferentes atitudes, as diferentes reacções, as perspectivas abrangentes do todo e as perspectivas unilaterais e delas conclui que a felicidade está na visão que é profundamente comprometida e persistente, quase obsessiva, mas simultaneamente desapegada, aparentemente distante ou apenas não intrusiva.

O filme explora estes conflitos e escolhe o ambiente sindical de que a personagem principal é uma figura destacada para acentuar os contrastes do gregarismo da militância e da afirmação individual, ou talvez sublinhar que mesmo a militância só se justifica pelo lado ideal, pelo lado que integra, engloba e acolhe todos numa mesma visão de princípios. A esse propósito Michel (Jean-Pierre Darroussin) cita Jean Jaurès e o idealismo revolucionário e a necessidade de fidelidade aos ideais. Por muito ingénuos que possam ser esses ideais é a intenção do ideal sem maldade que nos diz que a alma é boa e o erro em que possa incorrer o corrigirá quando dele tiver consciência.

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