sábado, 12 de janeiro de 2013

Registo de Cinema XXI, Amour de Michael Haneke , 2012



Há dias perguntava-me um jovem como é que se descobre um amor para a vida, como é que se sabe? Olhei-o e disse-lhe a verdade: não se sabe!, mas acrescentei, pode acontecer..., pode acontecer que coincidam, no tempo e no espaço, duas pessoas que, perante a esperança que a outra lhe abriu na alma, queiram fazer perdurar para sempre esse sentimento iluminador e não deixem que nada, alguma vez, se interponha entre elas, nenhum sentimento, nenhum pensamento, e nenhuma ilusão faça fraquejar esse desejo comum de resistir para sempre à dissolução, à corrupção, à insignificação.

Como fazer isso? – perguntou-me. Disse-lhe: olhar para o outro com a mesma admiração e respeito com que se olharam da primeira vez. Manter aberta a mesma expectativa. Num certo sentido, manter a mesma cerimónia, não como quem se engana num registo falso e desapaixonado de relação, mas como quem espera sempre, como quem ouve, não tem pressa e dá sempre a vez. E porque fazê-lo?, porque, se preservar esse primeiro sentimento irrepetível, esse momento de esperança, não terá de o procurar em mais lado nenhum, porque o relâmpago é sempre o mesmo. E o que importa é o que se faz com ele e não repeti-lo ou macaqueá-lo até à exaustão, até já não se saber do que é que se está realmente à procura.

Vinha a conversa a propósito do filme de Michael Haneke – Amour – em que um casal Anne (Emmanuelle Riva) e Georges (Jean Louis Trintignant) vive os últimos dias das suas vidas na intimidade e no respeito do outro, sem que alguma  mínima brecha se abra perante as dificuldades da corrupção final do corpo que nesses dias perturbam a alma e a claridade de outros tempos. É como se vive a vida do Amor numa idade avançada, e, pergunto-me: – Não é nessa idade avançada que a expressão da sua longa preparação se revela mais exultante? Não é aí que o Amor e a Sabedoria se entrelaçam e exprimem, se longamente preparados? Veja-se a forma e o desenlace do processo amoroso  e conclui-se que não há forma nem lógicas sociais entre os amantes, bons sensos, nem conselhos exteriores, mas apenas a liberdade absoluta do seu Amor.

Os diálogos que desenvolvem, são diálogos de velhos conhecidos, mas são diálogos que mantêm a distância que permite o jogo do que se mostra e do se esconde, que permite o silêncio, mas também o atrevimento, que permite e expressa a opinião mas aceita a contradição, sem falsos pudores nem falsas indignações. Conversam observando, arriscando, brincando mas, ao mesmo tempo aceitando, apreciando, amando. Conversam como quem ainda tem coisas a dizer sobre o outro que ainda não teriam sido ditas, como se ainda tivessem coisas para revelar e porquê?, porque a vida interior de cada um não se apagou, nunca se apagou e mantém, ainda e sempre, uma pulsão, um vigor, uma actividade renovada que o outro percebe e inquire, procura descobrir, interroga e partilha.

Por isso, disse ao jovem com quem falava: o segredo do Amor?, manter o pudor e a distância, prolongar infinitamente aquele momento inicial como o maior tesouro que se pode guardar, e desfrutar dos seus rebentos. E se bem pensarmos, o Amor e a Morte estão mais fundidos do que a vida nos parece fazer querer. O filme de Michael Haneke tem essa virtude. Mostra como o Amor e a Morte andam de braço dado nas vidas que têm a dimensão humana e não se reduzem a um coleccionar de futilidades, pequenos prazeres e excitações juvenis.

A Morte é um momento final, seja ou não de passagem. O Amor é o condutor de toda a procura da verdade, porque é a procura vivida e experienciada. Sem o outro que no Amor se procura, e encontra (quando encontra), a vida é uma espécie de ramo seco.

Amor e Morte não andam sempre ligados pelas mesmas razões. A melhor razão é aquela em que o Amor liberta da Morte e em que, simetricamente, a Morte é libertadora. E poderá ser assim, sem ser mórbido, lúgubre, nem penoso...? essa a beleza do filme de Michael Haneke.

Michael Haneke não trata o Amor como essa palavra gasta, profanada, usada indevidamente para mascarar as ilusões sem perder a dignidade, ainda que se perca. Nem como essa muleta deturpada com que se pretende legitimar por fora, exteriormente, aquilo que exige um mergulhar na provação profunda de vislumbrar a morte, de a entrever sem ser como um fatalismo da existência natural, mas como um símbolo do que há-de dar sentido, significado e redenção às nossas vidas. Michael Haneke trata o Amor como aquele que não se diz mas também não se reduz a um sentimento indizível ou apenas não dito, trata o Amor como aquilo que se liberta do tempo, do tempo em que a Morte impera, e perdura confiante e sereno sem nunca se turvar. Trata-o, por isso, na velhice para nos mostrar como Amor, Sabedoria e Morte se entrelaçam.

Bem diferente de Um Amor de Juventude de Mia Hansen-Løve onde um forma de Amor juvenil e permanentemente hiperbólico, inseguro e absorvente conduzia, ainda que com indiscutível beleza, a sucessivos insucessos. Mas aí devido à falta de omnisciência dos amantes. Mas aí era o amor juvenil que se recusava a crescer. A possibilidade da comparação dos assuntos das duas obras pode ser muito revelador.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Morte: nós e os outros



Um estranho sentimento acode-nos perante a morte de alguém querido: para onde tenha ido esperará por nós. Foi apenas primeiro ou antes. Assim, parece. Perante a morte de alguém que fazia parte do nosso mundo, do rosário das nossas contas, que sabíamos ir encontrar a qualquer momento por muito tempo que já tivesse passado desde o último encontro, o seu tempo passou, quer dizer, deixou de estar nas malhas do tempo, conquistou a eternidade, onde, sem tempo, nos há-de ver como nós não nos conseguiremos jamais ver porque não nos concebemos fora do tempo onde a nossa essência habita, onde nós habitamos, mesmo não o sabendo.

Outra ocorrência, é a perspectiva de que esse que parte nos deixa a nós para se encontrar com aqueles que também já fizeram parte do seu e do nosso mundo, aqui, e que já partiram. Com amigos cá e lá o nosso coração hesita. Sempre a vida terrena é preferida, aparentemente e pela maioria, à vida eterna da qual apenas se pode esperar: nos transcenda, transborde e surpreenda. A partir da nossa forma e modo de pensar é inimaginável. Porém, todos partimos e, por isso, não valem a pena pesadas manifestações que protestem contra essa realidade. Melhor é aceitá-la com as forças que encontrarmos. A morte não é estúpida nem deixa de ser. É a garantia da vida e da sua renovação. A morte é como o nascimento. Um momento da passagem pela existência. É o último. Mas é o que se dá numa passagem da consciência actual de que a morte existe e de que a vida tem um sentido e uma realização, íntima e intransmissível, para uma plenitude ou um absoluto de que o pensamento humano dá notícia embora não possa desocultar. Pois se pudesse, já estaria nessa dimensão de que está separado por uma condição, uma contingência e uma limitação de que não conhece a razão. Diríamos que o mal é um mistério de que a bondade, a beleza e a verdade são a luz da redenção. O nosso coração, a nossa razão e a nossa imaginação nutrem-se do que reduz a acção do mal. O mal, episódico e evanescente, é apenas uma acção temporária, diria instantânea, de afastamento do bem, do belo e da verdade. Mas a bondade, a beleza e a verdade não nos permitem senão prepararmo-nos para a passagem de que a morte é o instante irrevogável.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Registos de Cinema XX, Les Neiges du Kilimandjaro de Robert Guédiguian, 2011




Podia chamar-se A sabedoria das boas almas, mas Robert Guédiguian optou por lhe dar o título homónimo da obra de Ernest Hemingway que Henry King adaptou ao cinema com Gregory Peck e Ava Gardner nos protagonistas. O equívoco não deixa de causar estranheza mas aparentemente é apenas uma provocação.

A sabedoria das boas almas é a sabedoria dos que sabem esperar, dos que olham, dos que respeitam intrinsecamente o outro, todo o outro, tudo o que é outro. Dos que sabem que o outro é o mesmo, o próprio, e tudo o que é em função do outro fica no mesmo, no próprio. De onde respeitar os outros é respeitar-se também a si mesmo.

O filme não pretende dizer que o homem é bom ou mau. Mas também não pretende reduzir as acções de cada um à circunstância e à contingência do meio ou da sociedade. Habita as personagens a liberdade de optar pelo modo como se pretendem realizar como seres humanos. E apesar de podermos entender as razões de cada um, também percebemos que aquilo que fazemos é uma decisão nossa e não um fatalismo ditado por condições exteriores, ou quando são porque a pressão existe, a vulnerabilidade é nossa e de mais ninguém. Mas assim sendo, cada um é perdoado, ou não, pela capacidade de perdoar de cada um. O estado, a lei, condena, cega como toda a justiça; mas o indivíduo perdoa, compensa, ajuda: ama.

É disso que trata o filme: a liberdade e o perdão como temas que carecem de uma iniciação interior.

 Trata a liberdade interior, como libertação como iniciação na liberdade que cada um não pode possuir, cingir ou limitar ao seu eu, ao contrário do livre arbítrio que, como vontade e até como reivindicação, é todo ele concentrado nos limites do eu, do indivíduo separado dos outros, a não ser que se adune à Liberdade, ao princípio da Liberdade.

É da noção de liberdade como libertação que surge o perdão como compreensão de que o outro, como o próprio, erra e esse erro não é definitivo nem trágico, mas parte de um processo que por vezes não se pode evitar mas no qual não se quer permanecer.

Os conflitos abertos pelo percurso de diferentes personalidades mostra as diferentes atitudes, as diferentes reacções, as perspectivas abrangentes do todo e as perspectivas unilaterais e delas conclui que a felicidade está na visão que é profundamente comprometida e persistente, quase obsessiva, mas simultaneamente desapegada, aparentemente distante ou apenas não intrusiva.

O filme explora estes conflitos e escolhe o ambiente sindical de que a personagem principal é uma figura destacada para acentuar os contrastes do gregarismo da militância e da afirmação individual, ou talvez sublinhar que mesmo a militância só se justifica pelo lado ideal, pelo lado que integra, engloba e acolhe todos numa mesma visão de princípios. A esse propósito Michel (Jean-Pierre Darroussin) cita Jean Jaurès e o idealismo revolucionário e a necessidade de fidelidade aos ideais. Por muito ingénuos que possam ser esses ideais é a intenção do ideal sem maldade que nos diz que a alma é boa e o erro em que possa incorrer o corrigirá quando dele tiver consciência.

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Registos de Cinema XIX, Terraferma de Emanuele Crialese, 2011



Turistas e imigrantes encontram-se numa ilha. Por razões diferentes. Os primeiros chegam em segurança e vão para se divertirem; os segundos chegam no limite da sobrevivência em fuga à miséria e à guerra. Os primeiros enchem a ilha e transformam o espaço público e a economia. Os segundos escondem-se na ilha mas transformam e expõem o carácter dos seus habitantes.

A comunidade autóctone deixa de depender da actividade primária, a pesca, para investir numa actividade terciária, ou seja industrial: o turismo. A transformação troca no essencial, produção por serviços. A geração de riqueza passa a estar toda na paisagem natural e nos serviços que os locais podem prestar aos turistas. De certa forma perdem a sua autonomia e auto-suficiência, ou antes, a sua coesão comunitária. Uma comunidade habituada a alimentar-se e a passar de geração em geração o saber correspondente ao seu mester passa a receber de fora as tendências do que deve vender, passa a vender a sua própria casa, o seu tempo e a correr o risco de surgirem, com a consolidação da actividade turística, forasteiros que venham tomar conta do negócio e a breve prazo até expulsá-los (pagando bem) do seu lugar.

Perante a chegada de imigrantes do norte de África, a comunidade tende a impor as suas leis, que são as leis do mar, do socorro ao próximo e da partilha do pão. Porém, a ilha faz parte de um território nacional cujas leis são impiedosas com a imigração clandestina e, por isso, as suas leis são subjugadas pelas leis do Estado. O conflito entre a tradição e a consciência formada por essa tradição e o Estado e a obrigatoriedade do cumprimento da lei sob pena de sofrer consequências, levou à desobediência de uns e à cedência às conveniências de outros.

Terraferma é terra firme para os imigrantes que ali voltam a contactar com a realidade palpável, segura, firme. Para os habitantes da ilha é o seu porto seguro no meio do mar. Para os turistas é um lugar de lazer, para sair do tempo e do espaço convencionais e habitarem uma terra firme mas irreal durante umas semanas. Também poderíamos chamar-lhe terra fechada, enclausurada, isolada, perdida do tempo e do espaço, perdida do mundo, um lugar onde se nasce e se morre sem se ter chegado a contactar com a realidade exterior. Um lapso de tempo, um lugar irreal.

Ainda assim, a presença humana transforma a vida natural numa vida mental, espiritual. Numa comunidade como a daquela ilha, os problemas humanos são observados e vividos à luz de princípios. Os princípios implicam uma prática, não se ficando pela indiferença e pelo passar ao lado como se fossem problemas que não nos dizem respeito. Mas também, perante a possibilidade de tirar partido da situação e já com o aviltamento que o dinheiro trás a quem não vive os princípios, logo se cindiu a comunidade entre os que querem o progresso e o turismo e entregam ou não salvam os imigrantes à deriva e os que querem continuar a viver do mar e recusam os horizontes do progresso mas correm todos os riscos na coerência da sua ética e salvam e escondem os imigrantes clandestinos.

É certo que pouco se consegue em ser contra o tempo e as suas tendências. A maioria é sempre gregária, cobarde e sem alma. Os que resistem individualmente são os heróis que estes tempos abominam. Mas nessa heroicidade está aquilo que resta da nossa humanidade. Por muito ineficiente que seja.

Registos de Cinema XVIII, The Best Exotic Marigold Hotel de John Madden, 2011



Por qualquer razão que deve fazer parte da natureza humana, sempre se disse, mais ou menos isto: um dia parto para uma ilha e deixo-me lá ficar. O sentimento de evasão de um mundo a que já não sentimos pertencer, ou a necessidade de procurar um lugar onde nos encontremos connosco próprios, alimenta a ideia de uma viagem transfiguradora. A ideia de recomeçar, de apagar o passado e recomeçar tudo de novo, carece de um novo lugar, de uma nova comunidade, ou até de um certo anonimato.

The Best Exotic Marigold Hotel for the Elderly and Beautiful em Jaipur na Índia surgiu a um grupo de reformados ingleses com diferentes histórias e por diferentes razões, como um lugar de sonho onde podiam evadir-se uns temporariamente, outros definitivamente. Imaginar uma viagem, é imaginar um ideal, talvez um paraíso. Um sentimento interior de esperança cresce, e as palavras fazem nascer o sonho. Quem não quereria ir para um lugar chamado The Best Exotic Marigold Hotel?, ainda por cima depois de ver imagens melhoradas em photoshop por um jovem sonhador que, no trilho do pai, pretende fazer renascer uma glória, que já no passado era só um desejo nunca realizado, um exótico e acolhedor hotel?

Esclarecendo: Sonny (Dev Patel) vive e é co-proprietário com a mãe e os dois irmãos de um antigo hotel que depois da morte do pai entrou num lento processo de ruína. Sonny decidiu promove-lo como destino turístico para a terceira idade e publicou fotografias melhoradas em computador do que iria ser o que vendia como já sendo. Pretendia, assim, ir fazendo a renovação do hotel com as próprias receitas geradas pelos hóspedes e com o processo a correr, então, tentar um financiamento para as obras de fundo. Os hóspedes chegam e deparam-se com um cenário oposto às suas expectativas e cada um à sua maneira foi rejeitando e integrando-se naquele dia a dia em que o jovem Sonny os procurava envolver e fazer sonhar apesar das evidências: sujidade, mau estado, comunicações cortadas, refeições péssimas, etc...

Cada um acabou por ir-se adaptando e procurando motivos para ali permanecer criando laços com a cidade, com as pessoas, com os ambientes e, de algum modo, realizando as expectativas que tinham criado antes da decepção da realidade lhes cair à frente.

Não obstante o carácter comercial do filme há uma densidade nalgumas personagens que, ao contrário de outras, é de assinalar. O que faz correr cada uma delas, porém? O filme é sobre a velhice e a solidão. Mas uma velhice e uma solidão à procura de uma centelha que reacenda a esperança em vez de apenas de deixarem mergulhar no desespero e desistirem. Apesar de se passar no verão indiano, o filme é  sobre o Outono ou, como lhe chamou José Régio: a colheita da tarde. As cores são quentes e tardias.

De que vivem os mais velhos: da esperança de não terem perdido totalmente uma juventude que não se lembram do dia em que partiu; das memórias do tempo que se foi mais as pessoas que foram com ele; das alegrias e das frustrações sem remédio e sem regresso; de uma certa persistência da fé que nunca perderam em algo de fundamental das suas vidas; da sensação do que perderam mas permanece vivo neles; e da resistência que sabem poder manter contra a crueldade silenciosa do tempo que passa irremediavelmente.

A perspectiva de que o tempo passa e nos faz passar também, impõe decisões antes que seja tarde demais. É essa urgência que se torna evidente nas personagens de The Best Exotic, cada uma procurando realizar algum objectivo antes que a morte lhe bata à porta. Tudo se passando sem correrias, sem atropelos, num misto de cinismo e objectividade, ou se quisermos de humor e lógica tão de sabor britânico. O humor está na capacidade de se exporem sem se imporem e sem moralizarem; a racionalidade está forma como conduzem os seus passos não obstante aceitarem o destino.

Há uma força interior em cada personagem, e na sua obstinação tranquila, que faz do que poderia ser mais detestável no carácter, um tropo compreensível. E essa força interior é também musculada pela urgência de viver o que há ainda para viver. Há um ditado que procura dar o mote da obra: Everything will be alright in the end, or it's not the end yet.”

terça-feira, 24 de abril de 2012

segunda-feira, 23 de abril de 2012

domingo, 15 de abril de 2012

Registos de Exposições II, BES Photo 2012, Cia de Foto, Duarte Amaral Neto, Mauro Pinto, Rosângela Rennó, CCB 2012


Quatro possibilidades de registo, outros tantos conceitos de fotografia. Como arte?


1. Duarte Amaral Neto (Lisboa) apresenta um trabalho de re-fotografia onde induz uma narrativa a partir de palavras chave que redireccionam a mente para um contexto conhecido, a 2.ª Guerra Mundial, a partir de despojos de um acervo de um familiar datados do princípios dos anos 30. Pela alteração da legenda toda a infidelidade potencial do registo fotográfico se revela. A grande qualidade da verosimilhança desfaz-se com este exercício de manipulação que demonstra que a fotografia é impossível como garantia de narrativa do real enquanto facto. A fotografia será sempre parcial e manipuladora e as suas seduções são a sedução enganadora do lado bom que esconde o mau ou do mau que se esconde no bom.

Ao acervo fotográfico acrescentam-se a exposição de objectos envelhecidos que não são fotografados e, por isso, complementam com dados corpóreos a dimensão do tempo que passou concluindo assim a encenação da história e a indução da mentira no carácter memorialista, de registo documental que se presume sério e científico. Mas a mentira não nega a arte, muito até pelo contrário como explicou Óscar Wilde em “O declínio da Mentira”.

Por isso, abre uma discussão sobre o valor artístico da fotografia já que a mentira tem o seu préstimo na arte enquanto ideia de ilusão ou, pelo menos, de não factualidade. Se pela técnica implícita a fotografia, como o cinema, é sempre registo e, por sua natureza, forma documental, a questão está em saber se a ficção do que se supõe factual e a possibilidade de enganar por indução e sugestão, são suficientes para tirar a fotografia do domínio da verosimilhança?, ou, dito de outra forma, se a memória na fotografia é mimesis?




2. Cia de Foto (São Paulo) grupo brasileiro com preocupações teóricas e que pretende dar respostas concretas, ou seja: dizer o que é a fotografia. E isso é o que está entre dois tópicos: o escuro e o estático. O escuro como recusa da luz ou o recurso à luz mínima (mesmo que manipulada) que permita a eclosão da superfície; e o estático como impossibilidade em si mesmo já que tudo está num devir.

A ideia de apresentar o contrário da fotografia mas não deixando de recorrer ao que é, porque tem de ser, a fotografia. Nem toda a interrogação da arte conduz à arte em si. O que é interrogar a fotografia se nessa interrogação ela é o que queria negar, ou seja, para quê recusar a luz e a instantaneidade se é isso que minimamente tem de acontecer para que a fotografia aconteça e tentar fazer dos limites disso uma teoria sobre a fotografia afirmando que é o que não é?

Por fim, há o que a fotografia é, o instantâneo, o que se capta, unilateralmente é certo, mas o que se capta com precisão com rapto, com oportunidade. A longa preparação de palcos e luzes poderá ter um efeito cénico de grande beleza gráfica e até pictórica, mas será isso a fotografia?


3. Mauro Pinto (Maputo), jovem fotógrafo moçambicano, apresenta uma série de fotografias intitulada: “Dá licença”. O fotógrafo capta o momento, a permanência de espaços domésticos abandonados, mas a que a cor, a disposição dos móveis, as texturas e a profundidade de campo, dão uma presença impressiva e quase pulsante. De todos os trabalhos é talvez aquele que fica mais fiel ao objecto da fotografia. O registo de uma realidade tal qual ela se apresenta e retirando dela todo o seu potencial expressivo. Dá licença é uma intromissão na intimidade de um lar, ou de vários, e por isso se pede licença, para precisamente poder permanecer sem ser intruso.

Curiosamente, Dá licença não se reduz à boa educação de pedir licença à família, no caso vertente, da suposta família que habita ou habitou o espaço a fotografar. A família já não habita. Então Mauro Pinto pede licença a quem? O oficio de fotógrafo impõe-lhe, talvez, essa ética que a fotografia, essa janela indiscreta, esse olho que regista maquinal e amoralmente o que deve e o que não deve registar, precisa de respeitar. Uma moral que lhe dê cidadania, porque a realidade não está aí para ser violentada mas para ser respeitada. Dá licença é, sobretudo, uma forma de consciência de que a máquina que apenas dispara precisa de conter o ímpeto, a vontade e a legitimidade do atirador, não pode estar descomprometida dos outros e da sua legítima privacidade, nem da própria realidade enquanto expectativa de que todos partilhamos. No “Blow up” de M. Antonioni mostra-se bem essa natureza intrusiva e inconfidente da fotografia: o inocente registo fotográfico de um jardim vem a revelar um crime passional, privado e secreto. Antonioni quis aqui, na nossa perspectiva, mostrar como a fotografia por um lado actua sem moral e sem preconceitos mas por outro invade o domínio do secreto ou do privado que se esconde tanto da luz imediata e meridiana como na luz baça e enevoada.


4. Rosangela Rennó (Rio de Janeiro), apresenta um conjunto de paisagens sob o título Lanterna Mágica, em que o centro ou uma grande porção central da fotografia está queimada, por efeito de uma sobre exposição do negativo mesmo antes da revelação manual da fotografia. Um processo oposto decorre quando o mesmo negativo é projectado  por projectores dos finais do século XIX e princípios do século XX onde pormenores da zona sobre-exposta podem ser observados.

O trabalho de Rosângela Rennó é, sobretudo, uma investigação sobre as técnicas e os processos da fotografia mantendo uma estreita conexão com uma investigação filosófica sobre o lugar da fotografia no panorama do conhecimento e das artes.

Neste tipo de discurso, fica-se sempre com um certo sabor a pouco, uma vez que o que se espera dos artistas é que resolvam os problemas da arte que querem expor e não transportem para o público a sensação da insolubilidade das questões trazidas à partilha com quem não as pode resolver. Fica-se com a sensação que se tratam de falsas questões e cuja promoção deixam a arte num impasse porque nem estes resolvem nem deixam outros, talvez, resolver. A não ser que mudem de problemática e abandonem os caminhos que levam a nenhures.


5. O que é a fotografia? Esta a resposta que cada fotógrafo deveria procurar dar. Toda a obra de arte nas suas diferentes formas e realizações tem implícita a resposta a esta questão. Não querer responder não quer dizer que não se está a responder. Cada um dá a resposta que pode e sabe e cada outro compreende-a ou não. Mas, na verdade, o espelho da arte, é o espelho de nós próprios e sem querer responder, enquanto artista ou como tal assumido, cada um deles responde. Pode a resposta não ser satisfatória, pode não agradar, pode ser má e superficial, mas é a resposta que é dada. Outras serão melhores, mais profundas e mais absolutas.

Arte que não interrogue os seus princípios não é arte. Pode a fotografia almejar um sistema de princípios que se interroguem, e da multiplicidade de aproximações à fotografia encontrar uma redução que albergue uma teoria da fotografia? É a fotografia uma arte apenas porque representa uma experimentação que se baseia na subjectividade de cada um?

Qual a musa da fotografia?

sábado, 7 de abril de 2012

Registos de Cinema XVII, Tabu de Miguel Gomes, 2012



1. Monte Tabu

Como o Paraíso, também não sabemos onde seja o Monte Tabu. O Paraíso é a idade de ouro, os melhores anos das nossas vidas, o tempo dos sonhos vividos: o tempo antes de haver tempo. O Paraíso Perdido é a idade das sombras, o tempo de penúria e o tempo de castigo pelo mal que fizemos, que deixámos fazer ou que não evitamos que se fizesse.

O filme é um regresso ao passado, a procura de apaziguar os sobressaltos de uma vida que se sente em dívida com os outros e consigo mesma. A procura de fazer as pazes, ou simplesmente, não deixar que tudo fique ignorado para sempre.

Poder-se-ia ter chamado ao primeiro capítulo Purgatório e ao segundo Do Paraíso ao Inferno, ou mesmo, Expulsão do Paraíso, pois, afinal, a convicção geral das personagens é religiosa.

O filme recusa o real sem ideal, não quer ser verosímil, quer invocar, narrar, encantar. Procura a beleza da criação artística e não a realidade tal qual é vivida. As suas personagens vivem mergulhadas numa ficção que é mais autêntica que qualquer comprovada ou factual realidade. Não vivemos todos numa ficção, que é a recriação das nossas vidas sonhadas? Por isso, um filme e uma música comovem Pilar (Teresa Madruga) que vive sozinha, recusando a intimidade com Luís, um pintor triste e velho, que a admira e pinta para ela, mas de quem ela nada mais quer senão a companhia para ir ao cinema.

2. Sinopse

Prólogo

Um explorador intrépido e decidido aventura-se pelo mato da savana de Moçambique. É um amante desesperado que corre para a morte e nada podendo fazer para recuperar a sua amante, se entrega a um crocodilo para ser devorado sob o olhar da amante defunta.

Parte I – Paraíso Perdido

Pilar vive em cuidados com a vizinha Aurora (Laura Soveral), uma mulher velha e rica, viciada em jogo de casino, que vive sozinha com a empregada, Santa (Isabel Cardozo), que acusa de lhe fazer macumbas e a prender em casa, e que raramente recebe visitas da única filha que tem, mas vive no Canadá e pouca atenção e carinho lhe presta.

A morte de Aurora é antecedida de um último de desejo de falar com Ventura (Henrique Espírito Santo) que Santa lê na mão de Aurora. Após o enterro de Aurora, Pilar, acompanhada de Ventura ouve, num centro comercial, a história escondida, silenciada e reveladora do pesadelo e da loucura de Aurora.

Parte II – Paraíso

Aurora (Ana Moreira), filha de um colono vive uma fazenda em Moçambique e é uma infalível caçadora. O marido (Ivo Müller), trabalhava grandes extensões de cultura de chá e ausentava-se amiúde. Aurora vivia num paraíso rodeada de empregados e de entretenimentos ociosos. Porém, a sua natureza bipolar foi-se revelando e uma inquietação nervosa estampava-se-lhe no rosto. É então, nessa fase, que surge Gianluca Ventura (Carloto Cotta) com outros amigos e que por ali trabalham e formam uma banda de música.

A tensão entre Aurora e Gianluca vai-se acentuando, e ambos acabam por propiciar encontros amorosos que ambos consideram criminosos pelo facto de Aurora estar grávida e aquela relação não ter futuro, além de estarem a enganar quem lhes merecia toda a confiança. Até à separação definitiva, depois de descobertos, ocorreram peripécias várias entre elas uma longa separação poderia ter deixado tudo no segredo mas o regresso de Gianluca tudo precipitou e conduziu à tragédia e à vergonha.

3. Da história

Histórias antigas que ensombram as vidas actuais . Histórias que se agigantam com a distância do tempo e do espaço e fazem de pessoas comuns personagens épicas, aquelas a quem estão reservados os grandes feitos e os grandes pecados. Personagens que, apesar da inquietude, parecem agora repousar em águas tranquilas, águas que se conhecem e não fariam suspeitar daquilo que fizeram,  aquilo que nos espanta e, mais grave, nos escandaliza. E depois, quando olhamos para essas personagens não conseguimos conceber como podem elas ter feito o que fizeram, não concebemos que a mesma pessoa que ali está, tão quieta e tão distante de outras loucuras, tenha sido a que fez o que fez. Aí, começamos a suspeitar que em cada um de nós pode habitar outro de nós, adormecido ou expectante, e esse outro divide-nos e desencaminha-nos e não mais nos deixará, não nos devolverá a ingenuidade perdida, essa forma de olhar o mundo e de acreditar nos outros que uma vez perdida não mais regressará para nos apaziguar e devolver a esperança, inquinando todo o futuro.

Os erros da juventude pagam-se na velhice. Mas pagam-se porque não nos largam, porque se tornam parte de nós próprios e quanto mais os abominamos mais eles são a nossa natureza. Aurora era desde nova um espírito alvoroçado e o seu permanente nervosismo, e a sua incessante inquietação, denunciavam um comportamento bipolar preocupante. O isolamento e a solidão fizeram o resto. Perante a manifestação do olhar de Gianluca Ventura que sobre ela repousava com insistência acabou um dia por se lhe entregar sem reservas, sem pudor e sem olhar a outras consequências. O tempero não foi apenas o picante do adultério, mas sim o facto de Aurora estar grávida, estar no início da gravidez e isso, de algum modo, condenar qualquer harmonia futura entre eles. Há coisas que pela destruição que provocam nunca permitirão qualquer reconstrução sólida e duradoura. Primeiro, porque matam o que está à volta e, depois, porque torna os amantes reféns um do outro pelo bem e pelo mal que se fizeram, e porque a sua intimidade é o seu segredo e nada o pode apagar ou fazer esquecer.

Esta é a história que devoramos ao longo de mais de uma hora depois de termos passado a primeira hora de volta de um mundo em derrocada, sem esperança, numa Lisboa moderna triste, desencantada e envelhecida, não só pelas personagens sós, mas pelo próprio claro escuro do preto e branco com que o autor tinge a tela e que é a sua visão da velhice ou da corrupção.

4. A estrutura narrativa

O filme progride através do diálogo, na primeira parte, onde as personagens vivem tristemente, com chuva e trovões mais um inverno da vida, já sem qualquer apego, esperança nem mesmo desejo de viver, arrastando-se todas sem alma numa assistência mútua e complacente; e, na segunda parte através de uma narração em voz off (apenas alterada na leitura das cartas em que cada um lia a sua), onde a história do passado, a tal idade de ouro que culminou em tragédia, é contada da mesma forma que as histórias de encantar são contadas às crianças, nessa idade de ouro que é a da infância e da ingenuidade.

O filme tem permanentes notas humorísticas. Discretas é certo, mas permanentes. Miguel Gomes tem esse sentido do sério e do ridículo e a sua pendular variação dá ao tom grave do filme um contraponto de leveza. Além disso, tem a beleza do preto e branco e das nuances do preto e branco, tanto no Portugal triste da velhice de Aurora, Pilar e Santa, como no Portugal alegre e radioso das terras de África onde Aurora e o marido, e Gianluca e Mário vivem tempos felizes.

Disse Miguel Gomes que não há um tema central e, de facto, há muitas histórias implícitas ou embutidas, que vão sendo apontadas e esboçadas e, sem juízos morais nem correcções políticas, fazem do filme uma história de amor e de dor, num ambiente moral próprio e sobre o qual não há sociológicas recriminações. Do que se trata é de pessoas e das suas paixões, crenças e mitos.

5. O crocodilo

Finalmente, a figura transversal de toda a trama: o crocodilo. O misterioso crocodilo: o crocodilo “dandy”, como lhe chamou Aurora. O crocodilo assume um papel mitológico por assim dizer. Primeiro, porque é a um crocodilo que um amante desesperado se entrega para ser devorado sob o olhar da amante defunta numa espécie de prólogo que antecede as duas partes do filme. Segundo, porque o marido de Aurora lhe oferece um crocodilo bebé no princípio das suas vidas de casados. Terceiro, porque o crocodilo fugiu e foi Gianluca Ventura que o encontrou no seu jardim. E, finalmente, porque após uma segunda fuga, Aurora foi logo procurá-lo ao jardim de Gianluca, decidida a provocar aí o seu primeiro encontro amoroso e o princípio do idílio e da tragédia.

Ora o crocodilo é um predador e um caçador. Como Aurora. De algum modo, o crocodilo, na sua quietude, está sempre preparado para um ataque mortífero. Como Aurora. Aurora chamou-lhe Dandy quando ele fugiu para a casa de Gianluca Ventura. Seria Aurora também uma dandy, ou estaria apenas possuída pelo espírito do crocodilo?

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Registos de Exposições I, Nikias Skapinakis Presente e Passado 2012-1950, CCB, 2012



1. CCB, cinco de Abril de dois mil e doze.
Nikias Skapinakis, muitos anos a ver de longe e hoje a possibilidade de ver de uma vez mais de cinquenta anos de pinturas e desenhos.

Numa primeira percepção, da retrospectiva que o próprio curou e cuidou, a questão geracional que está na base do seu caminho: a opção pela figura e pelo figurativo e a recusa do abstracto por moda, ou oportunidade, ou até, como se sugere, por obediência à crítica. Ficamos, assim, na figura, na figuração e no figurativo.

Numa segunda percepção, percebemos que toda a pintura de Nikias Skapinakis se contem na mancha de cor, é a mancha, uniforme e forte que mostra a figura. Uma cor sem gradações, uma cor de campos preenchidos, firmemente delineados, que de algum modo antecipa, mas seguramente é contemporânea na Pop Art , movimento que surgiu em Inglaterra e nos Estados Unidos no final dos anos 50 e que usava a linguagem gráfica da banda desenhada e dos anúncios na pintura (Roy Lichtenstein e Andy Wharol, por exemplo).

Numa terceira percepção, a temática de Nikias Skapinakis. Há uma permanente encenação ou teatralização na relação entre as figuras quer sejam humanas, animais, vegetais ou minerais. Os temas de Nikias são clássicos: naturezas mortas, paisagens naturais, cenas mitológicas com mulheres e animais, tertúlias de homens e de mulheres.

2. A singeleza do jogo da linha, diria contorno, e da cor, diria mancha, estabelece uma teatralidade, ou melhor, uma encenação como pré-teatralidade que relaciona entidades, as põe em conflito e em harmonia. Essas entidades são-no precisamente para que se possa estabelecer entre elas conflitos, oposições, continuidades e harmonia. As entidades são uma espécie de individuação metafórica de corpos minerais ou vegetais ou animais que se assumem como personagens potenciais na geografia dos quadros.

As posições dos corpos, enquanto disposições da alma, a direcção do olhar, enquanto ausência de ver físico, o “conflito” das cores, enquanto expressão da solidão individual, a ausência de fundo onde há pessoas e animais, e a ausência de pessoas e animais onde há paisagem ou contexto vegetal e mineral, sublinham o carácter melancólico que o próprio exprimiu verbalmente.

Porém, mais do que melancólico, exprime uma ruptura entre o que se move e o que não se move. Diríamos entre o humano e o natural, uma vez que o animal pela via simbólica e cultural da mitologia tratado como qualidade, atributo ou espelho do humano. A ruptura do humano com o mundo, visto como contexto, cenário ou palco, é talvez uma das mais evidentes expressões do pessimismo que na obra de Nikias tem sido considerado melancolia. Ora a melancolia é, ao contrário, o sentimento de perda de um mundo idílico em que o humano se integrava, por isso, invoca a harmonia do homem em plena harmonia com o mundo natural. Na obra de Nikias, esses dois mundos estão irremediavelmente separados. E a tristeza que se sente, não é melancólica, mas antes sentimento de perda irremediável.

3.Três notas


A primeira sobre as pinturas de tertúlia ou de grupos (de homens ou de mulheres, curiosamente também nunca se misturam). Em Botequim (1973) está tragicamente expresso o presságio feminino de que o mundo que se perdeu, que talvez tenham sido os homens a fazê-lo perder-se. Três cálices sobre a mesa, três mulheres entreolhando-se, como quem esperam por alguma coisa sem grande esperança, braços cruzados, pernas cruzadas, repousando sem sonhar.


A segunda sobre os desenhos de paisagem sobre papel craft. Se toda a pintura de Nikias é baseada na mancha – contorno e cor – já os trabalhos de desenho revelam um traço e uma  capacidade de representação de grande profundidade, mesmo em sentido literal, profundidade de campo, que revela uma dimensão do olhar que nas manchas sem gradações da pintura ficam por revelar.

A terceira nota é sobre a singularidade do caminho de Nikias no contexto português onde o figurativismo reagindo às correntes do abstraccionismo, recebeu um importante impulso e uma certa legitimação pelos novos caminhos abertos pela Pop Art norte americana e britânica. Esse impulso, porém, não conduziu o artista português com origens gregas de permanecer fiel à pintura como arte distinta da banda desenhada e de outras aproximações mais gráficas e mundanamente eficientes mas mais irremediavelmente superficiais.