segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Registos de Cinema VIII, Melancholia de Lars von Trier, 2011


Já o víramos em Tree of Life de Terrence Mallick: a recriação de processos naturais (evolução do planeta, vulcões, moléculas, etc.) através de efeitos especiais computorizados onde a fatalidade dos ciclos naturais determinam a condição humana e secundarizam o papel do homem. No caso de TM reduzindo o humano e os seus conflitos a uma ilustração de uma actividade que pela escala, ora macroscópica ora microscópica, perpassa o homem mas sem que ele disso chegue a ter consciência. No caso de LvT o humano participa dessa ilustração, integra-se nela e, reduzido a uma condição de ser natural, abre-se nele um conflito pela percepção do vazio, do fim, do que se sucede sem apelo nem recurso e, caído nessa teia do natural, toda a sua capacidade de pensar e reagir é eliminada ficando a angústia sombria de ver o fim aproximar-se ou, no caso deste filme, vendo a Melancholia (nome do planeta que vem chocar com a Terra) aproximar-se sem nada poder fazer.

O cenário romântico é densificado e tornado pesado pela latência do vazio em que as personagens se movem, sem esperança e sem amor.

Melancholia aparenta ser um conflito permanente entre a perfeição exterior, mas vazia de Claire (Charlotte Gainsbourg) e a angústia desordenada mas lúcida de Justine (Kirsten Dunst). Porém elas são apenas dois momentos de uma mesma natureza: presságio e pesadelo.

O filme divide-se em duas partes mas com uma espécie de introdução composta de imagens em câmara muitíssimo lenta, quase fotografias, de situações oníricas onde se encadeiam imagens que sintetizam toda história posterior; Depois da introdução, as duas partes, cada uma com o nome de cada uma das irmãs: Parte 1, Justine, a sensível e melancólica, auto-confiante mas depressiva, pressagia o futuro e antecipa o desastre; Parte 2, Claire, a racional e vulnerável, organizada mas insegura, vive o pesadelo do fim.

As imagens em câmara muitíssimo lenta são uma antevisão do filme e, desse modo, uma espécie de aviso do que de pior poderia acontecer e que no final acontece mesmo. Os presságios de Justine são os pesadelos de Claire.

As restantes personagens são instrumentais. Michael (Alexander Skarsgard), o noivo, é usado numa tentativa de normalidade emocional de Justine que falha antes ainda do amanhecer. John (Kief Sutherland), o marido de Claire, é usado para garantir a estabilidade e um mínimo de racionalidade de Claire e da sua família de loucos. Gaby (Charlotte Rampling), a mãe de Claire e Justine, serve para representar a clivagem afectiva das filhas, a sua perdição, e Dexter (John Hurt), o pai e ex-marido de Gaby, é um velho bêbado, sem força, sem compromisso, sem determinação.

As mulheres são, nesta obra de LvT, a natureza, a qual, se tivesse sentimentos seria isso que elas são: melancólica (Justine) e desesperada (Claire), violenta (Gaby) e vazia (as Bettys).

Os homens são o espírito ausente, facto que os vota à cobardia (John), devassidão (Dexter), insignificância (Michael), crueldade (Jack), impessoalidade (Tim) ou ao puro servilismo (Mordomo). Acabam todos por desaparecer.

A criança (Leo), representa o pensamento ingénuo, mágico, intrépido mas sem a reflexão de si mesmo.

A natureza num mundo sem espírito conduz-se fria e impenetrável até à destruição total. A natureza quando em si e para si é a própria solidão. Falta espírito redentor, falta amor e daí a explosão final como se tudo fosse mesmo para acabar, sem esperança e sem remissão. LvT num labirinto viciado.

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