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segunda-feira, 30 de abril de 2012

Registos de Cinema XVIII, The Best Exotic Marigold Hotel de John Madden, 2011



Por qualquer razão que deve fazer parte da natureza humana, sempre se disse, mais ou menos isto: um dia parto para uma ilha e deixo-me lá ficar. O sentimento de evasão de um mundo a que já não sentimos pertencer, ou a necessidade de procurar um lugar onde nos encontremos connosco próprios, alimenta a ideia de uma viagem transfiguradora. A ideia de recomeçar, de apagar o passado e recomeçar tudo de novo, carece de um novo lugar, de uma nova comunidade, ou até de um certo anonimato.

The Best Exotic Marigold Hotel for the Elderly and Beautiful em Jaipur na Índia surgiu a um grupo de reformados ingleses com diferentes histórias e por diferentes razões, como um lugar de sonho onde podiam evadir-se uns temporariamente, outros definitivamente. Imaginar uma viagem, é imaginar um ideal, talvez um paraíso. Um sentimento interior de esperança cresce, e as palavras fazem nascer o sonho. Quem não quereria ir para um lugar chamado The Best Exotic Marigold Hotel?, ainda por cima depois de ver imagens melhoradas em photoshop por um jovem sonhador que, no trilho do pai, pretende fazer renascer uma glória, que já no passado era só um desejo nunca realizado, um exótico e acolhedor hotel?

Esclarecendo: Sonny (Dev Patel) vive e é co-proprietário com a mãe e os dois irmãos de um antigo hotel que depois da morte do pai entrou num lento processo de ruína. Sonny decidiu promove-lo como destino turístico para a terceira idade e publicou fotografias melhoradas em computador do que iria ser o que vendia como já sendo. Pretendia, assim, ir fazendo a renovação do hotel com as próprias receitas geradas pelos hóspedes e com o processo a correr, então, tentar um financiamento para as obras de fundo. Os hóspedes chegam e deparam-se com um cenário oposto às suas expectativas e cada um à sua maneira foi rejeitando e integrando-se naquele dia a dia em que o jovem Sonny os procurava envolver e fazer sonhar apesar das evidências: sujidade, mau estado, comunicações cortadas, refeições péssimas, etc...

Cada um acabou por ir-se adaptando e procurando motivos para ali permanecer criando laços com a cidade, com as pessoas, com os ambientes e, de algum modo, realizando as expectativas que tinham criado antes da decepção da realidade lhes cair à frente.

Não obstante o carácter comercial do filme há uma densidade nalgumas personagens que, ao contrário de outras, é de assinalar. O que faz correr cada uma delas, porém? O filme é sobre a velhice e a solidão. Mas uma velhice e uma solidão à procura de uma centelha que reacenda a esperança em vez de apenas de deixarem mergulhar no desespero e desistirem. Apesar de se passar no verão indiano, o filme é  sobre o Outono ou, como lhe chamou José Régio: a colheita da tarde. As cores são quentes e tardias.

De que vivem os mais velhos: da esperança de não terem perdido totalmente uma juventude que não se lembram do dia em que partiu; das memórias do tempo que se foi mais as pessoas que foram com ele; das alegrias e das frustrações sem remédio e sem regresso; de uma certa persistência da fé que nunca perderam em algo de fundamental das suas vidas; da sensação do que perderam mas permanece vivo neles; e da resistência que sabem poder manter contra a crueldade silenciosa do tempo que passa irremediavelmente.

A perspectiva de que o tempo passa e nos faz passar também, impõe decisões antes que seja tarde demais. É essa urgência que se torna evidente nas personagens de The Best Exotic, cada uma procurando realizar algum objectivo antes que a morte lhe bata à porta. Tudo se passando sem correrias, sem atropelos, num misto de cinismo e objectividade, ou se quisermos de humor e lógica tão de sabor britânico. O humor está na capacidade de se exporem sem se imporem e sem moralizarem; a racionalidade está forma como conduzem os seus passos não obstante aceitarem o destino.

Há uma força interior em cada personagem, e na sua obstinação tranquila, que faz do que poderia ser mais detestável no carácter, um tropo compreensível. E essa força interior é também musculada pela urgência de viver o que há ainda para viver. Há um ditado que procura dar o mote da obra: Everything will be alright in the end, or it's not the end yet.”

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Registos de Cinema XVI, Un Amour de Jeunesse de Mia Hansen-Løve, 2011



1. Um amor de juventude que não se sustenta porque é demasiado absorvente para ser vivido na adolescência e que, permanecendo absorvente nos primeiros anos da vida adulta, continua impossível e a ele têm de renunciar os amantes para que não se consumam totalmente, esperando por anos de serenidade para se reencontrarem definitivamente.

A ideia que subjaz em toda a história é a de um amor que não se corrompe e permanece na mais profunda idealidade e ternura. Porém, para que não se corrompa, é transposto do palco da vida onde tudo se corrompe com o tempo, para o altar da privação onde tudo é memória e possibilidade.

Enquanto vive em potência, como esperança, como algo que não se deixa consumir, alimenta-se da dor da privação, da voluntária privação que parece salvaguardar um bem maior, um bem que projectado no futuro quase parece projectar-se para além do real tornando-se ideal, ou seja, transcendente.

Atendendo ao que no filme não é dito, de algum modo a juventude e a sua generosidade ingénua é o padrão do mais fogoso e mais místico amor.

2. Na moral da obra, o amor suplanta a infidelidade e a infidelidade acaba por ser o factor de acalmia para a incendiada paixão que não se apaga. No reencontro entre os amantes, não obstante ela, Camille (Lola Créton), estar comprometida com o marido, Lorenz (Magne-Håvard Brekke), tudo se retomou como se nem se tivesse interrompido. A intimidade era quase natural e a distância não existia. Porém, perante o prelúdio de uma nova alienação Sullivan (Sebastian Urzendowsky) impõe novo afastamento.

Depois de uma reacção dolorosa Camille regressa a Lorenz e parece viver feliz na resignação, porque sublima o amor e transporta-o para um outro estado em que permanece dentro de si mais secreto e íntimo que nunca. Lorenz que é a figura que a impede de se perder e lhe dá segurança, é para ela suficientemente indiferente para não o confundir no seu amor e lhe permitir viver secretamente e sem perturbação o seu amor enquanto sonho, enquanto ideal.

3. No reencontro e nas saídas na sequência desse reencontro, Camille, procura as diferenças que a separam de Sullivan e conclui que não sabe porque o ama tanto e tão definitivamente. Sullivan, sempre aflito e preocupado com o que pode perder por ser possuído por aquela avalanche amorosa, sabe em cada momento afastar-se embora, depois, nada mais perca se não a presença e a companhia daquilo que verdadeiramente ama: Camille.


4. Um filme em que a posse e a separação são pólos de uma visão jovem mas autêntica, de um amor sem manhas, sem truques, sem oportunismos, sem aviltamento do outro. Um amor puro, duradouro e resistente a tudo. Um filme em que a ingenuidade não se perde, ou não se deixa perder, e parece até encher a alma redescobrindo a alegria.

Num certo sentido, quase poderíamos dizer, um filme religioso, porque um filme de amantes que acreditam, que se correspondem e que não precisam da evidência da presença para permanecer em estado de graça: amantes e triunfantes.