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sábado, 12 de janeiro de 2013

Registo de Cinema XXI, Amour de Michael Haneke , 2012



Há dias perguntava-me um jovem como é que se descobre um amor para a vida, como é que se sabe? Olhei-o e disse-lhe a verdade: não se sabe!, mas acrescentei, pode acontecer..., pode acontecer que coincidam, no tempo e no espaço, duas pessoas que, perante a esperança que a outra lhe abriu na alma, queiram fazer perdurar para sempre esse sentimento iluminador e não deixem que nada, alguma vez, se interponha entre elas, nenhum sentimento, nenhum pensamento, e nenhuma ilusão faça fraquejar esse desejo comum de resistir para sempre à dissolução, à corrupção, à insignificação.

Como fazer isso? – perguntou-me. Disse-lhe: olhar para o outro com a mesma admiração e respeito com que se olharam da primeira vez. Manter aberta a mesma expectativa. Num certo sentido, manter a mesma cerimónia, não como quem se engana num registo falso e desapaixonado de relação, mas como quem espera sempre, como quem ouve, não tem pressa e dá sempre a vez. E porque fazê-lo?, porque, se preservar esse primeiro sentimento irrepetível, esse momento de esperança, não terá de o procurar em mais lado nenhum, porque o relâmpago é sempre o mesmo. E o que importa é o que se faz com ele e não repeti-lo ou macaqueá-lo até à exaustão, até já não se saber do que é que se está realmente à procura.

Vinha a conversa a propósito do filme de Michael Haneke – Amour – em que um casal Anne (Emmanuelle Riva) e Georges (Jean Louis Trintignant) vive os últimos dias das suas vidas na intimidade e no respeito do outro, sem que alguma  mínima brecha se abra perante as dificuldades da corrupção final do corpo que nesses dias perturbam a alma e a claridade de outros tempos. É como se vive a vida do Amor numa idade avançada, e, pergunto-me: – Não é nessa idade avançada que a expressão da sua longa preparação se revela mais exultante? Não é aí que o Amor e a Sabedoria se entrelaçam e exprimem, se longamente preparados? Veja-se a forma e o desenlace do processo amoroso  e conclui-se que não há forma nem lógicas sociais entre os amantes, bons sensos, nem conselhos exteriores, mas apenas a liberdade absoluta do seu Amor.

Os diálogos que desenvolvem, são diálogos de velhos conhecidos, mas são diálogos que mantêm a distância que permite o jogo do que se mostra e do se esconde, que permite o silêncio, mas também o atrevimento, que permite e expressa a opinião mas aceita a contradição, sem falsos pudores nem falsas indignações. Conversam observando, arriscando, brincando mas, ao mesmo tempo aceitando, apreciando, amando. Conversam como quem ainda tem coisas a dizer sobre o outro que ainda não teriam sido ditas, como se ainda tivessem coisas para revelar e porquê?, porque a vida interior de cada um não se apagou, nunca se apagou e mantém, ainda e sempre, uma pulsão, um vigor, uma actividade renovada que o outro percebe e inquire, procura descobrir, interroga e partilha.

Por isso, disse ao jovem com quem falava: o segredo do Amor?, manter o pudor e a distância, prolongar infinitamente aquele momento inicial como o maior tesouro que se pode guardar, e desfrutar dos seus rebentos. E se bem pensarmos, o Amor e a Morte estão mais fundidos do que a vida nos parece fazer querer. O filme de Michael Haneke tem essa virtude. Mostra como o Amor e a Morte andam de braço dado nas vidas que têm a dimensão humana e não se reduzem a um coleccionar de futilidades, pequenos prazeres e excitações juvenis.

A Morte é um momento final, seja ou não de passagem. O Amor é o condutor de toda a procura da verdade, porque é a procura vivida e experienciada. Sem o outro que no Amor se procura, e encontra (quando encontra), a vida é uma espécie de ramo seco.

Amor e Morte não andam sempre ligados pelas mesmas razões. A melhor razão é aquela em que o Amor liberta da Morte e em que, simetricamente, a Morte é libertadora. E poderá ser assim, sem ser mórbido, lúgubre, nem penoso...? essa a beleza do filme de Michael Haneke.

Michael Haneke não trata o Amor como essa palavra gasta, profanada, usada indevidamente para mascarar as ilusões sem perder a dignidade, ainda que se perca. Nem como essa muleta deturpada com que se pretende legitimar por fora, exteriormente, aquilo que exige um mergulhar na provação profunda de vislumbrar a morte, de a entrever sem ser como um fatalismo da existência natural, mas como um símbolo do que há-de dar sentido, significado e redenção às nossas vidas. Michael Haneke trata o Amor como aquele que não se diz mas também não se reduz a um sentimento indizível ou apenas não dito, trata o Amor como aquilo que se liberta do tempo, do tempo em que a Morte impera, e perdura confiante e sereno sem nunca se turvar. Trata-o, por isso, na velhice para nos mostrar como Amor, Sabedoria e Morte se entrelaçam.

Bem diferente de Um Amor de Juventude de Mia Hansen-Løve onde um forma de Amor juvenil e permanentemente hiperbólico, inseguro e absorvente conduzia, ainda que com indiscutível beleza, a sucessivos insucessos. Mas aí devido à falta de omnisciência dos amantes. Mas aí era o amor juvenil que se recusava a crescer. A possibilidade da comparação dos assuntos das duas obras pode ser muito revelador.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Registos de Cinema XVI, Un Amour de Jeunesse de Mia Hansen-Løve, 2011



1. Um amor de juventude que não se sustenta porque é demasiado absorvente para ser vivido na adolescência e que, permanecendo absorvente nos primeiros anos da vida adulta, continua impossível e a ele têm de renunciar os amantes para que não se consumam totalmente, esperando por anos de serenidade para se reencontrarem definitivamente.

A ideia que subjaz em toda a história é a de um amor que não se corrompe e permanece na mais profunda idealidade e ternura. Porém, para que não se corrompa, é transposto do palco da vida onde tudo se corrompe com o tempo, para o altar da privação onde tudo é memória e possibilidade.

Enquanto vive em potência, como esperança, como algo que não se deixa consumir, alimenta-se da dor da privação, da voluntária privação que parece salvaguardar um bem maior, um bem que projectado no futuro quase parece projectar-se para além do real tornando-se ideal, ou seja, transcendente.

Atendendo ao que no filme não é dito, de algum modo a juventude e a sua generosidade ingénua é o padrão do mais fogoso e mais místico amor.

2. Na moral da obra, o amor suplanta a infidelidade e a infidelidade acaba por ser o factor de acalmia para a incendiada paixão que não se apaga. No reencontro entre os amantes, não obstante ela, Camille (Lola Créton), estar comprometida com o marido, Lorenz (Magne-Håvard Brekke), tudo se retomou como se nem se tivesse interrompido. A intimidade era quase natural e a distância não existia. Porém, perante o prelúdio de uma nova alienação Sullivan (Sebastian Urzendowsky) impõe novo afastamento.

Depois de uma reacção dolorosa Camille regressa a Lorenz e parece viver feliz na resignação, porque sublima o amor e transporta-o para um outro estado em que permanece dentro de si mais secreto e íntimo que nunca. Lorenz que é a figura que a impede de se perder e lhe dá segurança, é para ela suficientemente indiferente para não o confundir no seu amor e lhe permitir viver secretamente e sem perturbação o seu amor enquanto sonho, enquanto ideal.

3. No reencontro e nas saídas na sequência desse reencontro, Camille, procura as diferenças que a separam de Sullivan e conclui que não sabe porque o ama tanto e tão definitivamente. Sullivan, sempre aflito e preocupado com o que pode perder por ser possuído por aquela avalanche amorosa, sabe em cada momento afastar-se embora, depois, nada mais perca se não a presença e a companhia daquilo que verdadeiramente ama: Camille.


4. Um filme em que a posse e a separação são pólos de uma visão jovem mas autêntica, de um amor sem manhas, sem truques, sem oportunismos, sem aviltamento do outro. Um amor puro, duradouro e resistente a tudo. Um filme em que a ingenuidade não se perde, ou não se deixa perder, e parece até encher a alma redescobrindo a alegria.

Num certo sentido, quase poderíamos dizer, um filme religioso, porque um filme de amantes que acreditam, que se correspondem e que não precisam da evidência da presença para permanecer em estado de graça: amantes e triunfantes.