Quatro
possibilidades de registo, outros tantos conceitos de fotografia. Como arte?
1.
Duarte Amaral Neto (Lisboa) apresenta um trabalho de re-fotografia onde induz
uma narrativa a partir de palavras chave que redireccionam a mente para um
contexto conhecido, a 2.ª Guerra Mundial, a partir de despojos de um acervo de
um familiar datados do princípios dos anos 30. Pela alteração da legenda toda a infidelidade potencial do
registo fotográfico se revela. A grande qualidade da verosimilhança desfaz-se
com este exercício de manipulação que demonstra que a fotografia é impossível como
garantia de narrativa do real enquanto facto. A fotografia será sempre parcial
e manipuladora e as suas seduções são a sedução enganadora do lado bom que
esconde o mau ou do mau que se esconde no bom.
Ao
acervo fotográfico acrescentam-se a exposição de objectos envelhecidos que não
são fotografados e, por isso, complementam com dados corpóreos a dimensão do
tempo que passou concluindo assim a encenação da história e a indução da
mentira no carácter memorialista, de registo documental que se presume sério e
científico. Mas a mentira não nega a arte, muito até pelo contrário como
explicou Óscar Wilde em “O declínio da Mentira”.
Por
isso, abre uma discussão sobre o valor artístico da fotografia já que a mentira
tem o seu préstimo na arte enquanto ideia de ilusão ou, pelo menos, de não
factualidade. Se pela técnica implícita a fotografia, como o cinema, é sempre
registo e, por sua natureza, forma documental, a questão está em saber se a
ficção do que se supõe factual e a possibilidade de enganar por indução e
sugestão, são suficientes para tirar a fotografia do domínio da verosimilhança?,
ou, dito de outra forma, se a memória na fotografia é mimesis?
2. Cia de Foto (São Paulo) grupo brasileiro com preocupações teóricas e que pretende dar respostas concretas, ou seja: dizer o que é a fotografia. E isso é o que está entre dois tópicos: o escuro e o estático. O escuro como recusa da luz ou o recurso à luz mínima (mesmo que manipulada) que permita a eclosão da superfície; e o estático como impossibilidade em si mesmo já que tudo está num devir.
2. Cia de Foto (São Paulo) grupo brasileiro com preocupações teóricas e que pretende dar respostas concretas, ou seja: dizer o que é a fotografia. E isso é o que está entre dois tópicos: o escuro e o estático. O escuro como recusa da luz ou o recurso à luz mínima (mesmo que manipulada) que permita a eclosão da superfície; e o estático como impossibilidade em si mesmo já que tudo está num devir.
A
ideia de apresentar o contrário da fotografia mas não deixando de recorrer ao
que é, porque tem de ser, a fotografia. Nem toda a interrogação da arte conduz
à arte em si. O que é interrogar a fotografia se nessa interrogação ela é o que
queria negar, ou seja, para quê recusar a luz e a instantaneidade se é isso que
minimamente tem de acontecer para que a fotografia aconteça e tentar fazer dos
limites disso uma teoria sobre a fotografia afirmando que é o que não é?
Por
fim, há o que a fotografia é, o instantâneo, o que se capta, unilateralmente é
certo, mas o que se capta com precisão com rapto, com oportunidade. A longa
preparação de palcos e luzes poderá ter um efeito cénico de grande beleza
gráfica e até pictórica, mas será isso a fotografia?
3.
Mauro Pinto (Maputo), jovem fotógrafo moçambicano, apresenta uma série de
fotografias intitulada: “Dá licença”. O fotógrafo capta o momento, a
permanência de espaços domésticos abandonados, mas a que a cor, a disposição
dos móveis, as texturas e a profundidade de campo, dão uma presença impressiva
e quase pulsante. De todos os trabalhos é talvez aquele que fica mais fiel ao
objecto da fotografia. O registo de uma realidade tal qual ela se apresenta e
retirando dela todo o seu potencial expressivo. Dá licença é uma intromissão na intimidade de um lar, ou de vários,
e por isso se pede licença, para precisamente poder permanecer sem ser intruso.
Curiosamente,
Dá licença não se reduz à boa
educação de pedir licença à família, no caso vertente, da suposta família que
habita ou habitou o espaço a fotografar. A família já não habita. Então Mauro
Pinto pede licença a quem? O oficio de fotógrafo impõe-lhe, talvez, essa ética que
a fotografia, essa janela indiscreta, esse olho que regista maquinal e
amoralmente o que deve e o que não deve registar, precisa de respeitar. Uma
moral que lhe dê cidadania, porque a realidade não está aí para ser violentada
mas para ser respeitada. Dá licença é,
sobretudo, uma forma de consciência de que a máquina que apenas dispara precisa
de conter o ímpeto, a vontade e a legitimidade do atirador, não pode estar
descomprometida dos outros e da sua legítima privacidade, nem da própria
realidade enquanto expectativa de que todos partilhamos. No “Blow up” de M.
Antonioni mostra-se bem essa natureza intrusiva e inconfidente da fotografia: o
inocente registo fotográfico de um jardim vem a revelar um crime passional,
privado e secreto. Antonioni quis aqui, na nossa perspectiva, mostrar como a
fotografia por um lado actua sem moral e sem preconceitos mas por outro invade o
domínio do secreto ou do privado que se esconde tanto da luz imediata e
meridiana como na luz baça e enevoada.
4.
Rosangela Rennó (Rio de Janeiro), apresenta um conjunto de paisagens sob o
título Lanterna Mágica, em que o centro ou uma grande porção central da
fotografia está queimada, por efeito de uma sobre exposição do negativo mesmo
antes da revelação manual da fotografia. Um processo oposto decorre quando o
mesmo negativo é projectado por
projectores dos finais do século XIX e princípios do século XX onde pormenores
da zona sobre-exposta podem ser observados.
O
trabalho de Rosângela Rennó é, sobretudo, uma investigação sobre as técnicas e
os processos da fotografia mantendo uma estreita conexão com uma investigação
filosófica sobre o lugar da fotografia no panorama do conhecimento e das artes.
Neste
tipo de discurso, fica-se sempre com um certo sabor a pouco, uma vez que o que
se espera dos artistas é que resolvam os problemas da arte que querem expor e
não transportem para o público a sensação da insolubilidade das questões
trazidas à partilha com quem não as pode resolver. Fica-se com a sensação que
se tratam de falsas questões e cuja promoção deixam a arte num impasse porque
nem estes resolvem nem deixam outros, talvez, resolver. A não ser que mudem de problemática
e abandonem os caminhos que levam a nenhures.
5.
O que é a fotografia? Esta a resposta que cada fotógrafo deveria procurar dar.
Toda a obra de arte nas suas diferentes formas e realizações tem implícita a
resposta a esta questão. Não querer responder não quer dizer que não se está a
responder. Cada um dá a resposta que pode e sabe e cada outro compreende-a ou
não. Mas, na verdade, o espelho da arte, é o espelho de nós próprios e sem
querer responder, enquanto artista ou como tal assumido, cada um deles
responde. Pode a resposta não ser satisfatória, pode não agradar, pode ser má e
superficial, mas é a resposta que é dada. Outras serão melhores, mais profundas
e mais absolutas.
Arte
que não interrogue os seus princípios não é arte. Pode a fotografia almejar um
sistema de princípios que se interroguem, e da multiplicidade de aproximações à
fotografia encontrar uma redução que albergue uma teoria da fotografia? É a
fotografia uma arte apenas porque representa uma experimentação que se baseia
na subjectividade de cada um?
Qual
a musa da fotografia?
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