domingo, 15 de abril de 2012

Registos de Exposições II, BES Photo 2012, Cia de Foto, Duarte Amaral Neto, Mauro Pinto, Rosângela Rennó, CCB 2012


Quatro possibilidades de registo, outros tantos conceitos de fotografia. Como arte?


1. Duarte Amaral Neto (Lisboa) apresenta um trabalho de re-fotografia onde induz uma narrativa a partir de palavras chave que redireccionam a mente para um contexto conhecido, a 2.ª Guerra Mundial, a partir de despojos de um acervo de um familiar datados do princípios dos anos 30. Pela alteração da legenda toda a infidelidade potencial do registo fotográfico se revela. A grande qualidade da verosimilhança desfaz-se com este exercício de manipulação que demonstra que a fotografia é impossível como garantia de narrativa do real enquanto facto. A fotografia será sempre parcial e manipuladora e as suas seduções são a sedução enganadora do lado bom que esconde o mau ou do mau que se esconde no bom.

Ao acervo fotográfico acrescentam-se a exposição de objectos envelhecidos que não são fotografados e, por isso, complementam com dados corpóreos a dimensão do tempo que passou concluindo assim a encenação da história e a indução da mentira no carácter memorialista, de registo documental que se presume sério e científico. Mas a mentira não nega a arte, muito até pelo contrário como explicou Óscar Wilde em “O declínio da Mentira”.

Por isso, abre uma discussão sobre o valor artístico da fotografia já que a mentira tem o seu préstimo na arte enquanto ideia de ilusão ou, pelo menos, de não factualidade. Se pela técnica implícita a fotografia, como o cinema, é sempre registo e, por sua natureza, forma documental, a questão está em saber se a ficção do que se supõe factual e a possibilidade de enganar por indução e sugestão, são suficientes para tirar a fotografia do domínio da verosimilhança?, ou, dito de outra forma, se a memória na fotografia é mimesis?




2. Cia de Foto (São Paulo) grupo brasileiro com preocupações teóricas e que pretende dar respostas concretas, ou seja: dizer o que é a fotografia. E isso é o que está entre dois tópicos: o escuro e o estático. O escuro como recusa da luz ou o recurso à luz mínima (mesmo que manipulada) que permita a eclosão da superfície; e o estático como impossibilidade em si mesmo já que tudo está num devir.

A ideia de apresentar o contrário da fotografia mas não deixando de recorrer ao que é, porque tem de ser, a fotografia. Nem toda a interrogação da arte conduz à arte em si. O que é interrogar a fotografia se nessa interrogação ela é o que queria negar, ou seja, para quê recusar a luz e a instantaneidade se é isso que minimamente tem de acontecer para que a fotografia aconteça e tentar fazer dos limites disso uma teoria sobre a fotografia afirmando que é o que não é?

Por fim, há o que a fotografia é, o instantâneo, o que se capta, unilateralmente é certo, mas o que se capta com precisão com rapto, com oportunidade. A longa preparação de palcos e luzes poderá ter um efeito cénico de grande beleza gráfica e até pictórica, mas será isso a fotografia?


3. Mauro Pinto (Maputo), jovem fotógrafo moçambicano, apresenta uma série de fotografias intitulada: “Dá licença”. O fotógrafo capta o momento, a permanência de espaços domésticos abandonados, mas a que a cor, a disposição dos móveis, as texturas e a profundidade de campo, dão uma presença impressiva e quase pulsante. De todos os trabalhos é talvez aquele que fica mais fiel ao objecto da fotografia. O registo de uma realidade tal qual ela se apresenta e retirando dela todo o seu potencial expressivo. Dá licença é uma intromissão na intimidade de um lar, ou de vários, e por isso se pede licença, para precisamente poder permanecer sem ser intruso.

Curiosamente, Dá licença não se reduz à boa educação de pedir licença à família, no caso vertente, da suposta família que habita ou habitou o espaço a fotografar. A família já não habita. Então Mauro Pinto pede licença a quem? O oficio de fotógrafo impõe-lhe, talvez, essa ética que a fotografia, essa janela indiscreta, esse olho que regista maquinal e amoralmente o que deve e o que não deve registar, precisa de respeitar. Uma moral que lhe dê cidadania, porque a realidade não está aí para ser violentada mas para ser respeitada. Dá licença é, sobretudo, uma forma de consciência de que a máquina que apenas dispara precisa de conter o ímpeto, a vontade e a legitimidade do atirador, não pode estar descomprometida dos outros e da sua legítima privacidade, nem da própria realidade enquanto expectativa de que todos partilhamos. No “Blow up” de M. Antonioni mostra-se bem essa natureza intrusiva e inconfidente da fotografia: o inocente registo fotográfico de um jardim vem a revelar um crime passional, privado e secreto. Antonioni quis aqui, na nossa perspectiva, mostrar como a fotografia por um lado actua sem moral e sem preconceitos mas por outro invade o domínio do secreto ou do privado que se esconde tanto da luz imediata e meridiana como na luz baça e enevoada.


4. Rosangela Rennó (Rio de Janeiro), apresenta um conjunto de paisagens sob o título Lanterna Mágica, em que o centro ou uma grande porção central da fotografia está queimada, por efeito de uma sobre exposição do negativo mesmo antes da revelação manual da fotografia. Um processo oposto decorre quando o mesmo negativo é projectado  por projectores dos finais do século XIX e princípios do século XX onde pormenores da zona sobre-exposta podem ser observados.

O trabalho de Rosângela Rennó é, sobretudo, uma investigação sobre as técnicas e os processos da fotografia mantendo uma estreita conexão com uma investigação filosófica sobre o lugar da fotografia no panorama do conhecimento e das artes.

Neste tipo de discurso, fica-se sempre com um certo sabor a pouco, uma vez que o que se espera dos artistas é que resolvam os problemas da arte que querem expor e não transportem para o público a sensação da insolubilidade das questões trazidas à partilha com quem não as pode resolver. Fica-se com a sensação que se tratam de falsas questões e cuja promoção deixam a arte num impasse porque nem estes resolvem nem deixam outros, talvez, resolver. A não ser que mudem de problemática e abandonem os caminhos que levam a nenhures.


5. O que é a fotografia? Esta a resposta que cada fotógrafo deveria procurar dar. Toda a obra de arte nas suas diferentes formas e realizações tem implícita a resposta a esta questão. Não querer responder não quer dizer que não se está a responder. Cada um dá a resposta que pode e sabe e cada outro compreende-a ou não. Mas, na verdade, o espelho da arte, é o espelho de nós próprios e sem querer responder, enquanto artista ou como tal assumido, cada um deles responde. Pode a resposta não ser satisfatória, pode não agradar, pode ser má e superficial, mas é a resposta que é dada. Outras serão melhores, mais profundas e mais absolutas.

Arte que não interrogue os seus princípios não é arte. Pode a fotografia almejar um sistema de princípios que se interroguem, e da multiplicidade de aproximações à fotografia encontrar uma redução que albergue uma teoria da fotografia? É a fotografia uma arte apenas porque representa uma experimentação que se baseia na subjectividade de cada um?

Qual a musa da fotografia?

Sem comentários:

Enviar um comentário