1. CCB,
cinco de Abril de dois mil e doze.
Nikias
Skapinakis, muitos anos a ver de longe e hoje a possibilidade de ver de uma vez
mais de cinquenta anos de pinturas e desenhos.
Numa
primeira percepção, da retrospectiva que o próprio curou e cuidou, a questão
geracional que está na base do seu caminho: a opção pela figura e pelo
figurativo e a recusa do abstracto por moda, ou oportunidade, ou até, como se
sugere, por obediência à crítica. Ficamos, assim, na figura, na figuração e no
figurativo.
Numa
segunda percepção, percebemos que toda a pintura de Nikias Skapinakis se contem
na mancha de cor, é a mancha, uniforme e forte que mostra a figura. Uma cor sem
gradações, uma cor de campos preenchidos, firmemente delineados, que de algum
modo antecipa, mas seguramente é contemporânea na Pop Art , movimento que
surgiu em Inglaterra e nos Estados Unidos no final dos anos 50 e que usava a
linguagem gráfica da banda desenhada e dos anúncios na pintura (Roy Lichtenstein
e Andy Wharol, por exemplo).
Numa
terceira percepção, a temática de Nikias Skapinakis. Há uma permanente
encenação ou teatralização na relação entre as figuras quer sejam humanas, animais,
vegetais ou minerais. Os temas de Nikias são clássicos: naturezas mortas,
paisagens naturais, cenas mitológicas com mulheres e animais, tertúlias de
homens e de mulheres.
2. A
singeleza do jogo da linha, diria contorno, e da cor, diria mancha, estabelece uma
teatralidade, ou melhor, uma encenação como pré-teatralidade que relaciona entidades,
as põe em conflito e em harmonia. Essas entidades são-no precisamente para que
se possa estabelecer entre elas conflitos, oposições, continuidades e harmonia.
As entidades são uma espécie de individuação metafórica de corpos minerais ou
vegetais ou animais que se assumem como personagens potenciais na geografia dos
quadros.
As
posições dos corpos, enquanto disposições da alma, a direcção do olhar,
enquanto ausência de ver físico, o “conflito” das cores, enquanto expressão da
solidão individual, a ausência de fundo onde há pessoas e animais, e a ausência
de pessoas e animais onde há paisagem ou contexto vegetal e mineral, sublinham
o carácter melancólico que o próprio exprimiu verbalmente.
Porém,
mais do que melancólico, exprime uma ruptura entre o que se move e o que não se
move. Diríamos entre o humano e o natural, uma vez que o animal pela via
simbólica e cultural da mitologia tratado como qualidade, atributo ou espelho
do humano. A ruptura do humano com o mundo, visto como contexto, cenário ou
palco, é talvez uma das mais evidentes expressões do pessimismo que na obra de
Nikias tem sido considerado melancolia. Ora a melancolia é, ao contrário, o
sentimento de perda de um mundo idílico em que o humano se integrava, por isso,
invoca a harmonia do homem em plena harmonia com o mundo natural. Na obra de
Nikias, esses dois mundos estão irremediavelmente separados. E a tristeza que
se sente, não é melancólica, mas antes sentimento de perda irremediável.
3.Três
notas
A primeira sobre as pinturas de tertúlia ou de grupos (de homens ou de
mulheres, curiosamente também nunca se misturam). Em Botequim (1973) está tragicamente expresso o presságio feminino de que
o mundo que se perdeu, que talvez tenham sido os homens a fazê-lo perder-se.
Três cálices sobre a mesa, três mulheres entreolhando-se, como quem esperam por
alguma coisa sem grande esperança, braços cruzados, pernas cruzadas, repousando
sem sonhar.
A
segunda sobre os desenhos de paisagem sobre papel craft. Se toda a pintura de Nikias é baseada na mancha – contorno e
cor – já os trabalhos de desenho revelam um traço e uma capacidade de representação de grande profundidade,
mesmo em sentido literal, profundidade de campo, que revela uma dimensão do
olhar que nas manchas sem gradações da pintura ficam por revelar.
A
terceira nota é sobre a singularidade do caminho de Nikias no contexto
português onde o figurativismo reagindo às correntes do abstraccionismo,
recebeu um importante impulso e uma certa legitimação pelos novos caminhos
abertos pela Pop Art norte americana e britânica. Esse impulso, porém, não
conduziu o artista português com origens gregas de permanecer fiel à pintura como
arte distinta da banda desenhada e de outras aproximações mais gráficas e
mundanamente eficientes mas mais irremediavelmente superficiais.
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